“há essa gente que pernoita na impotência” – Três poemas de Katyuscia Carvalho

COSTURAS ARCAICAS

Onde o cós do mundo, um rasgo.
I r r e m e n d á v e l
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Ela molamba à mesa posta.
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Louças não disfarçam rachaduras, e retrincam
Aos roucos soluços do que não se disfarça
com lenços arcaicos
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Descalça-se onde não lhe é mais chão.
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Chora e se desfaz, como quem refaz
as malas, pesadas demais por portarem pedras
Todas lançadas e relançadas, como se flores em lanças fossem
Como se floretes em flor
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E que num dia como aquele juntou,
sozinha, em meio às feridas que herdou, sozinha.
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Cuidado com a bondade dessa gente “inofensiva”:
são duplamente covardes quando trazem à tua dor
numa mão, um regador
na outra, ervas aromatizáveis, daninhas.
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Sim, sente frio. Mas há de aprender a se proteger
do que é sol em terra de cegos.

ESTENDAL

o insustentável peso das asas
o varal do mundo
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— onde o nu não pode o corpo?
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toda ordem é rente ao chão
peso morto
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quarando, um velho rasgo em vestes novas
dor de cortar com faca
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prende, pende, despenca…
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lágrima
que o sol não seca

DESTERRO

na borda dos mapas à beira
da vida aos fiascos
há essa gente que pernoita na impotência
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entre entulhos de guerra
e muralhas de mar
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o mundo fazendo fronteira com seu corpo,
com a pigmentação no tom da sua dor,
com a etnia na sua fala
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são como pedras a bordo
que se atiram a si mesmas sem chão
que as queiram
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que é quando tudo cala e é da cor
de lágrimas envelhecidas