Fernando Andrade entrevista o escritor Cleber Pacheco sobre o livro ‘A torre de silêncio’

Cleber Pacheco Torre de silêncio - Fernando Andrade entrevista o escritor Cleber Pacheco sobre o livro 'A torre de silêncio'
 
 
 
 
 

Fernando Andrade: Gostaria de que você falasse um pouco da arte da espreita, na sua novela.
Dentro de um contexto onde cada geografia espacial estabelece um modo de vivência de seus personagens de acordo ou não com a cultura? Comente.

No caso do livro, a espreita é um modo de vida, é a tentativa de ver a simesmo, de flagrar as próprias ações, os acontecimentos e o mundo ao redor. É uma tentativa de compreender melhor a situação que cada personagem vive.
Sempre à margem, imersos em solidão, todos eles são obrigados a se enfren-tar, a olhar para si mesmos. Cada um busca uma saída (não necessariamente uma solução) para suas existências. Eles olham a realidade do ponto de vista da morte, o que lhes possibilita buscar o sentido da vida, de acordo com as experiências de cada um e, de modo geral, de acordo com a condição humana.
São únicos e universais ao mesmo tempo. Os personagens não possuem um senso de familiaridade. Para eles tudo é estranheza, susto, assombro. Mesmo tendo os seus hábitos, não conseguem se acomodar no mundo, estão sempre deslocados. Isso lhes proporciona um modo original de ver todas as coisas.

Fernando Andrade: Gostei da estrutura narrativa meio fragmentada quase um cinema documentário, onde a linguagem tende ao poético. Por que preferiu esta estética? Explane.

Foi a maneira que encontrei para a abordagem de personagens que estão distanciadas no espaço, cada uma vivendo num local diferente, mas tendo algo em comum entre si: a sensação de deslocamento, de estranheza e inquie-tação, impossibilitando-as de viver mecanicamente. Suas consciências e percepções as arrastam, mesmo contra a vontade, fazendo-as experimentar o incomum existente nas coisas aparentemente comuns. Eles não sabem exatamente como lidar com isso. A solidão e a velhice também as aproxima de algum modo. Eles estão próximos e distantes, o que torna possível perceber melhor suas semelhanças e singularidades. O poético é a maneira mais viável de abordar questões que ultrapassam a lógica convencional, o senso comum, a objetividade. Ele nos permite uma originalidade que as outras linguagens não
conseguem ter.

Fernando Andrade: O vazio é um elemento muito usado de forma muito potencial na análise psicanalítica. Como foi desenvolvê-la numa novela tão bem escrita e concisa? Comente.

Foi o maior desafio ao escrever o livro. Era preciso encontrar maneiras de captar e capturar, se é que isso é possível, o imponderável. Então restava percorrer os intervalos, as frestas da percepção, a arte da espreita para poder flagrar as sensações diante daquilo que escapa ao conhecimento e nos deso-rienta. Fazer as convenções desmoronarem e as falsas segurançasdesaparecerem era o único modo de criar experiências de medo, de assom-bro, de estranheza diante do que não podemos preencher ao recorrermos ao pré-estabelecido e aceito pela sociedade. Trata-se de uma vertigem da qual é impossível se recuperar por completo. Trata-se daquilo que os budistas chamam de “ quebrar o fundo do pote”, ou seja, desfazer-se dos suportes que sustentam a mente convencional (crenças, tradições, condicionamentos culturais, etc) para tornar possível a experiência do Vazio.

Fernando Andrade: Mesmo que os personagens tenham hábitos, um cotidiano até poético, o silêncio parece internalizá-lo de forma plena, embora eles estejam perto da morte na velhice há uma pulsão de morte em cada um deles? Comente.

O silêncio é onde habita o Indizível, o Indeterminado, contém as
potencialidades. Portanto, vem antes da forma e da concretização, é ilimitado. Diante da morte todas as linguagens falham. Expressar o inexprimível é um desafio cuja derrota é inevitável. Paradoxalmente, isso provoca uma tentativa de ultrapassar o impossível e tentar sondá-lo, chegar o mais próximo permitido da ausência de palavras: captar uma vibração. Encarar o silêncio obriga os personagens a olharem e enfrentarem a si mesmos. Por outro lado, silêncio e morte se aproximam.
É como se os personagens estivessem olhando para suas próprias
ausências com o intuito de irem se acostumando com a morte, pois nunca se acostumaram com a vida. E entram num impasse: não se acostumam nem com uma nem com a outra. Talvez o silêncio seja a única resposta ao que não tem nenhuma resposta.

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