DE SILÊNCIOS A GRITOS, UM PARTO ENTRE AS PALAVRAS DE THAÍS REIS

Parto Thais Reis - DE SILÊNCIOS A GRITOS, UM PARTO ENTRE AS PALAVRAS DE THAÍS REIS

 
 
 
 
 

por Luiz Otávio Oliani*

As palavras saíram de mim com voracidade, e foram perversas
comigo.”
Thaís Reis.

 

Um leitor desavisado, ou com parco conhecimento gramatical, tenderá a pensar que o título do livro “Parto”, de Thaís Reis, Belo Horizonte, Mg:IBI Literrário,2023, seja apenas a menção à primeira pessoa do singular do Presente do Indicativo do verbo partir.
No entanto, diante da derivação regressiva, é possível ampliar a justificativa do título para o ato da criação literária. Sendo assim, a obra voltar-se-á à metalinguagem, à reflexão da própria escrita poética. E é assim que a autora deseja que seja. Se, na nota da editora, foi dito que “(…)livros são pássaros: espalham sementes contendo o gene de pensamentos, sonhos e ideias”, em referência a um poema de Mário Quintana; na Nota do Abacateiro, Rodrigo Lima, Laroyê, acrescentou que o livro é “(…) um Padê Literário, uma revoada de palavras de encantamento, uma escrita para atear versos nas encruzilhadas do agora e combater o desencantamento do mundo.”
No prefácio à obra, Ilsimar de Jesus cita as origens da autora de Nova Iguaçu e explica que sete mulheres reais, de carne e osso, moradoras da Baixada Fluminense, serviram-lhe de inspiração para o livro em voga. Merecem destaque as palavras: “Parto me permite e, lhes permitirá, adentrar no contexto real de cada conto e viver cada história com os sentimentos aflorando na própria pele.”
Uma característica da obra é que, ao final de cada um dos contos, há um poema. Trata-se de uma forma de conjugar a linguagem dos versos aos textos com parágrafos.
Com exceção de “Da mãe”, de Conceição Evaristo, no livro “Poemas da recordação e outros movimentos”, Belo Horizonte: Nandyala, 2008, todos os demais poemas que encerram as seções com os contos, são da autoria de Thaís Reis.
“Gestação”, p.19, texto de abertura, é metalinguagem pura. E salta aos olhos o grande conhecimento da mestra e escritora Thaís que se vale de vasto cabedal literário para criar pérolas como estes fragmentos: “(…) às vezes, a nossa língua-mãe falha e não há onomatopeia que dê conta deste grito de vida, e de morte, ao parir.”
Ou ainda, ao refletir sobre o processo de criação literária, vem à tona a dúvida: “(…) se um dia eu gritar a dor do parto, ela estará ao meu lado. Então, por que um grito com este nome, se eu não posso dar nome a esta dor?”
E, da impossibilidade de encontrar a onomatopeia adequada, aquela capaz de traduzir um grito, eis a frustração, pois tal palavra não existe. Ainda assim, a autora escreve. Rememora os tempos de menina, quando o diário guardava os segredos daquele corpo-palavra. Evoca mulheres guerreiras, de fé, exemplos para a humanidade: Elza Soares, Dona Ivone Lara, Conceição Evaristo, Djamila Ribeiro, entre outras, que são as divas da Baixada Fluminense, as mulheres pretas, as quais correspondem a um universo que Thaís Reis conhece muito bem. E ela assegura, sábia e lindamente: “Eu, a parteira. Enquanto houver palavra, há parto. Parto-me.”.p.27.
Em “Ibejis ou Meu rio- solidão”, p.29, há intensa poesia, no qual uma mulher preta que nunca desejou ser mãe engravidou de um rio. O texto é de beleza descomunal, como se lê em: “Uma mulher, preta, jovem, com os seios desproporcionais ao corpo mirrado, sozinha, cumprindo aquele destino que todos os olhos já sabiam ser o dela, só podia ser mãe”,p.3.
“Maria-pura”,p.37, relata a vida de uma personagem que se envergonhava do passado, do abandono de três filhos do primeiro marido, da relação confusa com o atual companheiro, além da pobreza e da filha que tinha a vivência da dor, naquele lar.
Uma passagem que revela a penúria da família ocorre quando a mãe, em vez de servir fubá e angu, conseguiu fazer um prato de dobradinha à família.
A cena triste rememora o episódio da morte da cachorra Baleia, no clássico “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, ou em outra passagem antológica de “O Quinze”, quando Rachel de Queiroz descreveu o momento em que Chico Bento não pôde alimentar a família, após ter matado uma cabra, tão logo o dono do animal aparecera. Ainda que os textos de Rachel e Graciliano retratem um Brasil sob a égide do governo Vargas, Thaís Reis mostrou neste conto uma realidade não muito diferente neste 2023. É um texto pujante, no qual a filha se reconhece como herdeira do legado de Maria-pura, apesar das dores.
Em “Vitral”, p.47, fica evidente que uma relação tóxica é prejudicial à vida, pois dona Dalva passou viver após a morte do companheiro. A narradora desabafou na página 51: “Naquela tarde de 13 de outubro de 1987, a morte de meu pai também foi vida.
Papai aniquilou-se e eu, quando ouvi a notícia de sua partida, respirei aliviada.”
Já em “Via Crucis”, p.57, o espelho representa a metáfora das peças partidas. Os estilhaços são o corpo de Victor e a mãe, fragmento de luz, é a esperança do reencontro com o filho morto, como no trecho: “A minha Via Sacra encerrou-se antes da de Jesus, quando me deixaram colocar o meu filho morto no colo.”, p.60.

O conto “Saco de arroz”, p.67, traz as reminiscências da personagem que guarda a própria história num saco de arroz que não tinha para comer. Além deste drama, a personagem narra o sofrimento da mãe tuberculosa no hospital e o desejo de que falasse para celebrar a vida, entre recordações amargas de uma infância pobre. A casa que a protagonista construiu foi fruto do trabalho doméstico; era como a das madames, mas cabia num saco de arroz.
“Agbara”, p.77, é um vocábulo em iorubá de origem nigeriana.
Representa potência, o poder e a força. O conto é mais uma homenagem às mulheres pretas, da Baixada Fluminense, mães de família, trabalhadoras, cidadãs brasileiras. O teatro, o palco, tudo faz a protagonista sentir a vida de forma diferente, porque ela entende que a arte é necessária para alimentar o espírito. Arroz e
feijão não bastam ao corpo.
“Sinto saudade de Rita, porque, às vezes, a minha voz não sai do meu corpo”, p.81. Não é à toa que, p.85, encerra o livro “Parto”.

 

Luiz Otavio Oliani 150x150 - DE SILÊNCIOS A GRITOS, UM PARTO ENTRE AS PALAVRAS DE THAÍS REISLUIZ OTÁVIO OLIANI é professor e escritor.
Publicou 18 livros, incluindo poesia, conto, teatro e literatura infantil.

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