Pintura de Salvador Dali
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Fernando Andrade | escritor e jornalista
Não há crime se o corpo desaparecer por falta de linguagem. O crime só é feito com o cadáver exposto pintado com muito sangue. Há solidão se o corpo se perde dentro de um bosque onde a ausência é tanta, que o corpo esquece de falar, não há outro, não há ninguém. H – lia muitos livros do autor irlandês Samuel Beckett, e para entrar dentro do universo do autor não desperdiçava nada em ruídos e redundâncias. Mas H começou a se sentir de forma estranha, meio Kafka, dentro de um processo. Vozes que não eram dele, entravam na sua cabeça, e dizia – vai para o vale das sombras, onde seu corpo ganhará peso e densidade.
H tinha um emprego que não podia largar, era um escrevinhador de cartas para parentes que se ausentaram por desconhecimento. Escrevia enigmas, poemas, anedotas, piadas, e mandava para o remetente. Até um deles se comunicou com ele e falou que era preciso que você fizesse a viagem para levar a carta. Será então dentro de uma casa por onde você por dois dias caminhará como um errante atravessando bosques da ficção. Lá eu já estarei esperando com a carta. Largue seu emprego e leve em viagem minha linguagem para meus entes queridos. H saiu de uma manhã de domingo e percorreu toda área da metrópole, passando pela perigosa área de pântanos, onde afundam palavras. Atravessou rios, desfiladeiros, chapadas, até passar por um bosque da linguagem que lembrou a solidão de Malone Morre.
Quando chegou na casa estava um gato de bigodes, com uma pata segurando um livro. O gato falou ou miou, este livro você entregará ao meu amigo Dog estrada. Que guarda um museu da inocência onde todo cão espera do seu amigo humano. O gato pediu para ele se deitar enquanto ele contava cantigas de ninar com gansos e patos. Quando H acordou não havia esta casa, só havia um ultraleve e ele na cadeira indo ao destino proposto.
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