Livro de poemas de Ana Valéria Fink “mais de vinte poemas de amor” faz do som, ritmo, e melodia uma rememoração da saudade do amado, em morte

Fernando Andrade | escritor e jornalista

A fome é uma sensação física que quando saciada morre. É só comer, que o incômodo da fome passa. Mas quando perdemos alguém pela morte, nunca estamos saciados, ou alimentados. Estamos desabastecidos como uma dispensa vazia. O luto seria uma inapetência do nome ou da fome agora em pulsão da vida, desejo sexual, pelo amado. O luto deflaga no corpo uma anemia de absorção de ver, tocar, pulsar, estamos dentro de um lugar sem luz, sem plantas, talvez um  túnel tão infinito que nenhum movimento reconduza à claridade. Porque, escrever quando estamos tristes, que tipo de fome da escrita nos engole por dentro para expelir ou vomitar a dor.
Poemas de amor ou todas as canções desesperadas que tocam nos dedos, nos pianos da alma um pouco de lucidez, de acalanto. Ana Valéria Fink, em processo de luto, foi ao limite do corpo que não definha por que a escrita tem suas curas, e ela mergulhou em si para tirar palavras, mais de vinte poemas de amor, editora Penalux, que pudessem melodiar aquele tom menor numa nota baixa onde se canta quase à Bossa Nova.
Imagens, sons, metáforas, a difícil definição da saudade, que nem em português tem tradução. Trabalhando com a memória sensorial e aguda do lastros com o enamorado, Ana lapida cada verso, cada poema num sonata de outono, num filme sueco, onde a palheta é tão filigranática como um arco de cores, uma íris de olho. É um livro muito bonito, para talvez compor num daqueles vinis com lado A e B  para tocar na vitrola num fim ou poente do sol terminando mais um dia.

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