Fernando Andrade entrevista o escritor João Paulo Vaz

João Paulo Vaz - Fernando Andrade entrevista o escritor João Paulo Vaz

 
 
 
 
 


Fernando Andrade – Teu romance discute a questão dos gêneros pelo viés da animalidade entre um homem e uma gata. Como pensou na liberdade individual na questão? Comente.

João Paulo Vaz – Muito interessante a sua leitura. Gregório, o personagem central de “A Hora do Gato”, tem uma ilusão de liberdade individual que ele cultiva acima de tudo. Num primeiro momento, a experiência da animalidade radicaliza essa ilusão que, ao longo da narrativa, vai sendo desfeita.

Fernando Andrade – A questão mental da gata está dividida na parte felina e humana. Como vc dividiu estas duas mentalidades tão diferentes ainda masculina/feminina?

João Paulo Vaz – Essa divisão é a premissa absurda da qual “A Hora do Gato” parte. Gregório é meu segundo personagem inspirado no Gregor Samsa de Kafka (“Greg Sam”, meu romance anterior, é uma atualização de “A metamorfose”). Uma das curiosidades em relação ao livro de Kafka é que a metamorfose em si não faz parte da narrativa, na primeira frase do livro ficamos sabendo dela como fato consumado e sem qualquer explicação. Em a “Hora do Gato”, imaginei uma transformação gradual do personagem em que humano e felino convivem como duas partes de uma mesma mente e a predominância de uma parte ou outra varia conforme a situação. De uma forma simplificada, podemos dizer que a parte humana reflete, quando consegue, e a felina atua, quando é necessário.

Fernando Andrade – Fidelidade poderia ser considerada mais intuitiva no universo animal. Discuta isso na sua narração e enredo.

João Paulo Vaz  – Na minha opinião, a fidelidade é uma abstração humana. Tanto Gregório quanto Clarice (ela menos que ele) são personagens bem características do individualismo contemporâneo e, como tal, fiéis antes de tudo a si mesmos. O que acontece é que eles evoluíram de forma diferente e isso é vivido pelos dois como uma traição do outro, mas não existe de fato infidelidade na relação entre eles. E o que, no final da narrativa, poderíamos chamar de fidelidade é apenas uma acomodação possível entre as trajetórias dos dois.

Fernando Andrade – A linguagem verbal pode atrapalhar na questão dos laços humanos. Pois está calcada na oposição dualidade, imprecisões. Fale disso, no seu romance.

João Paulo Vaz – Não sei se entendi sua pergunta. No prólogo e no epílogo, tento caracterizar a animalidade pela ausência de linguagem. No caso de Gregório e Clarice, o que rompeu o laço entre eles não foi um problema de comunicação verbal, mas de projetos de vida que se tornaram incompatíveis. Se é possível dizer que a incompatibilidade acabou deixando de existir, é porque a situação existencial de cada um mudou radicalmente.

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