Fernando Andrade entrevista as escritoras Lily Araújo e Viviane Santiago

Viviane Araujo e Lilly Araújo - Fernando Andrade entrevista as escritoras Lily Araújo e Viviane Santiago

Telucazu

 
 
 
 
 

Fernando Andrade – Como surgiu a ideia de escrever um livro de poemas com autoria tão simbiótica. Como pensaram este projeto? Comente.

Lilly Araújo: Artistas em geral pertencem a uma classe que eu classifico como incansáveis sonhadores, na maioria das vezes alienados quanto ao nosso “mundo real” principalmente no tocante à necessidade de monetizar o trabalho. Se essa afirmação é real ante os artistas, acredito que seja ainda maior quando se trata de poetas, são assim como uma subdivisão de escritores. Poetas parecem querer dizer algo ainda mais simbiótico com o sonhar para viver e viver para sonhar. Sendo propriamente um estilo de vida. Nesse cenário, escrever um livro de poemas com a Viviane era um sonho, quanto ao processo e custos de realização, eram outros quinhentos.

Conheci Viviane Santiago por causa da Literatura. Ela, uma escritora excepcional que, logo viraria amiga de uma vida toda. Foi graças à Telucazu Edições, uma fábrica de bons escritores, que pudemos estreitar os laços entre trabalho e amizade, iniciamos constantes trocas de textos e notamos que nossos poemas conversavam tematicamente. Certa vez eu disse: “Queria escrever um livro com você!”, ao que ela respondeu prontamente: “Vamos!” (para minha alegria).
Pouco tempo depois, o que era apenas um sonho e conversa de whatsApp virou um projeto literário para captação de recursos, o que foi tecido por ela.

O projeto foi abraçado por André Kondo, e ajustado para concorrer ao ProAc no ano de 2022, por meio da Telucazu Edições e foi contemplado. Assim, em um piscar de olhos nós duas conseguimos juntar esses poemas, que desde o nascimento conversavam entre si. Sem necessidade de muitos ajustes.

Viviane Santiago: Parte dos poemas de A carne Perpétua já existiam antes da fecundação do livro. Lilly Araújo e eu somos amigas, trocamos leituras e opiniões sobre nossas produções, deste modo, já era perceptível para ambas que nossas poesias encontravam, coincidentemente, um lugar comum. Lilly falou sobre o desejo de escrever um livro a quatro mãos; claro, eu aceitei. E o que vem a seguir acontece de maneira muito singular e orgânica. A obra recebe aporte financeiro do Edital Proac de São Paulo, e é editada pelo talentoso André kondo.

Fernando Andrade – Vocês pensaram num fio que conduziria certa trama. Certa linha para falar de seus temas, feminismo, patriarcado, violência doméstica. Ou os poemas foram transmitidos casualmente. Comente.

Lilly Araújo: O fio da trama estava formado sem que tivéssemos que pensar nele especificamente para o “A Carne Perpétua”. Como eu disse anteriormente, foi justamente por perceber nossa temática em comum, que o desejo de tecer uma obra em conjunto cresceu ainda mais.

Viviane Santiago: Ao selecionarmos os poemas que entrariam no livro já era sabida sua angulação, pois ele é guiado, inicialmente, por um pré-projeto, tal qual, havia sido premiado pelo edital. E quanto ao processo criativo do livro, foi um tanto diferente das criações individuais. Nosso processo foi mais para seleção do que já havia sido criado.

Fernando Andrade – A noção de família é muito experienciada por vocês, através de uma sensibilidade extrema como afetos, cuidados, atenção. Como foi isso através da linguagem, fale disso.

Lilly Araújo: Estamos em um momento onde o patriarcado tem sido cada vez mais confrontado em nossa sociedade. Período histórico e, claro, literário, em que temas do universo feminino tem encontrado lugar, vez e voz, ainda que muito ínfimos. O mais interessante é que não lançamos mão do o tema inadvertidamente para forçar um engajamento, mas fluiu em letras aquilo que está engendrado em nós. Sinceramente agradeço que o momento seja mais propício para tais temas do que foi nos tempos passados, um passado que recente. É inegável que minha mãe teve muito mais barreiras frente ao machismo estrutural se comparada a mim, e que minha avó muito maior barreira se comparada à minha, e assim por diante na nossa ascendência. Até aí nada de novo no discurso da pauta feminista, então o que temos a oferecer com essa obra? O que podemos ofertar no “A Carne Perpétua” como sinal de grande respeito à leitora e o leitor, é a garantia que em nenhum momento houve a pretensão de panfletagem.
Escrevemos nossas vivências. Escrevemos sobre o mundo sob o prisma de nossa percepção com toda idoneidade. Os sentimentos carregados de sofrimentos, afetos, abandonos, entre outros, que aparecem nos poemas, fazem parte dessa miscelânea do que trazemos na própria carne.

Viviane Santiago: Eu trabalho minha literatura de maneira muito íntima. Meu texto é repleto de experiências pessoais, ideologias e memórias. Lilly Araújo é capaz de destrinchar uma lembrança infantil numa poesia de quatro páginas numa narrativa de tirar o fôlego.

Nós mulheres somos receptáculos de uma demanda cruel de misoginia, e questões de gênero que marcam nossa história desde o nascimento. Trazer isso para a linguagem escrita é muito natural para mim. São minhas referências, vivências, e ainda que muitas
delas não sejam boas, são elas que me formaram como indivíduo.

Fernando Andrade –  O desejo flui subrepticiamente por toda a condução dos poemas. Queria que vocês falassem do desejo nas suas poesias. Comente.

Lilly Araújo: Acredito que o maior desejo de uma mulher, e me desculpe falar em nome delas nesse momento, seja o de ser de fato tratada com equidade. Não é o de se sobrepor ao homem, mas o de conquistar algo que sempre foi e ainda é usurpado de todas nós. Direitos simples ainda negados por causa do sexismo. Direitos garantidos ao ser humano em um estatuto, mas vetado em várias instâncias. A cada vez que uma mulher se levanta em protesto por tais direitos é vista como uma revoltada; uma insubmissa, no palavreado religioso. Somos perseguidas, e maltratadas, e presas, e mortas, até que aquele direito pelo qual se luta seja enfim reconhecido. Foi assim com As Sufragistas, e hoje temos, em vários países, mas não todos, mulheres votantes, para citar apenas um exemplo do que se precisou e ainda precisa-se conquistar à força, em se nascendo uma mulher.

Se em alguma instância o desejo flui subrepticiamente na composição da obra, é porque nosso universo (o feminino) sempre foi pautado de culpas e de nãos. Quase tudo que intentamos fazer nos coloca do lado imediatamente oposto ao das leis tecidas pelo patriarcado, sendo assim, não é difícil que sempre sejamos todas postas com ‘foras das
leis’. Desde Eva.

Viviane Santiago: Não vejo como clandestina a maneira como o desejo é transposto nos poemas. Usamos as entrelinhas para falar do que é claro. Se o leitor é capaz de captar tais simbologias, é porque está ali propositalmente.

Para mim, de maneira pessoal, a literatura é o lugar onde estou despida.

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