Fernando Andrade entrevista o escritor Matheus Arcaro sobre o livro ‘A Origem do mundo’

Matheus Arcaro livro 2023 - Fernando Andrade entrevista o escritor Matheus Arcaro sobre o livro 'A Origem do mundo'

 
 
 
 
 
 
 


MATHEUS ARCARO – Numa sociedade patriarcal você no seu livro desmonta uma gramática onde o masculino detém a força e o poder. Como pensou isto nos seus contos?

MATHEUS ARCARO – Meu ponto de partida foi um estudo da Universidade de Brasília, coordenado por Regina Dalcastagnè, que constatou que a grandíssima maioria dos protagonistas da literatura nacional contemporânea era de homens. Então parti disso como premissa: todos os contos do meu novo livro seriam protagonizados por mulheres. E havia outra: devia prevalecer a diversidade: queria retratar a multiplicidade de mulheres em relação à idade, etnia, orientação sexual e classe social. Não se trata, obviamente, de retratar experiências, já que sou homem, mas de me colocar no lugar do outro (ou melhor, das outras) por meio da literatura. A noção de “lugar de fala”, fundamental sob o ponto de vista sociológico, não pode ser aplicada cruamente quando se trata de arte, já que o trabalho do escritor é justamente “viver outras vidas” a partir de sua criação.

FERNANDO ANDRADE – A literatura seria uma forma criativa de escrita. A gênese do feminino está muito ligada à arte e à escrita. Como você pensa isso nos seus contos que têm sempre nomes de mulheres?

MATHEUS ARCARO – Como decorrência das duas premissas anteriores, pensei que seria pertinente que todos os contos tivessem nomes de mulheres. Um deles foge à regra, mas nem tanto, e tem como título “Deus”. Outro tem o nome de duas mulheres “Ana ou Macabéa”, que são personagens criadas pela Clarice Lispector. Se Platão estiver correto, ao afirmar que nomear é dar essência à coisa, os títulos dos contos são fundamentais na composição geral da obra.

FERNANDO ANDRADE – Até que ponto a mitologia te ajudou construir arquétipos pelo qual o mundo ocidental pensa a divisão de Gênero? Comente.

MATHEUS ARCARO – Não tenho certeza se a mitologia contribuiu decisivamente para a criação deste livro.
Obviamente, ela tangenciou a escrita, visto que a mitologia permeia o imaginário coletivo e está arraigada socialmente. Talvez a mitologia (no sentido de senso comum) que subsidiou minha criação tenha sido a crença na separação estanque entre os sexos e na superioridade do masculino sobre o feminino cultivada há séculos pelo patriarcado. O título do livro é um dos pontos desta minha tentativa de desconstrução: ressignificar o quadro de Gustave Courbet potencializando o feminino enquanto origem da vida, enquanto origem da arte, enquanto origem de tudo o que existe.

FERNANDO ANDRADE – Sua linguagem nos contos pende para o poético. Como lapidou esta estética mais voltada ao verso?

MATHEUS ARCARO – Certa vez o argentino Jorge Luis Borges disse que existem cinco ou seis grandes temas na literatura. O que diferencia um bom escritor de um escritor mediano é como ele conta esta história. A questão formal, para mim, é tão ou mais importante que o conteúdo. Por isso tenho como grandes referências Clarice e Guimarães Rosa. Acho que o trabalho do escritor sobre a linguagem assemelha-se ao de um ourives ou um escultor. Mais que escrever, fazer literatura é reescrever.

 

Escritor Matheus Arcaro

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