Fernando Andrade entrevista o escritor Leonardo Almeida Filho [ Autor do livro ‘Berro’ ]

Leonardo Almeida Filho BERRO - Fernando Andrade entrevista o escritor Leonardo Almeida Filho [ Autor do livro 'Berro' ]

 
 
 
 
 

FERNANDO ANDRADE- Tem um ponto que amarra seu livro e o deixa encadeado, mesmo que três partes permaneçam individualizadas. Fale um pouco disso.

LEONARDO ALMEIDA FILHO – O livro reúne contos que andei escrevendo nos últimos anos. Grande parte deles, durante a pandemia. Quando decidi publicá-los, percebi que, estranhamente, existia um elemento em comum entre eles: o silêncio. Aliás, um dos contos se intitula “Os silêncios” e é justamente aquele que abre a coletânea. Quando digo que o silêncio é o elemento que dá liga a todos os contos do “Berro”, me refiro especificamente ao nosso posicionamento diante das coisas do mundo, da presença do outro, da tragédia da fome, da miséria, do abandono, das doenças. O silêncio que nos é imposto pela vida real diante das minorias, das mulheres, dos gays, dos negros, das crianças e velhos. De uma certa e peculiar maneira, os contos abordavam esses temas que me desconcertam e me obrigam a berrar. Percebi que dentro desse grande elo, o silêncio, havia maneiras muito específicas de abordagem e foi pensando nisso que dividi o livro em três partes. A primeira delas juntando as narrativas mais ligadas ao presente, ao social. Na segunda parte reuni os contos que tinham a literatura como instrumento genuíno de quebra do silêncio, e na terceira, aquelas histórias que abordam o simbólico, o mitológico, o escatológico.

FERNANDO ANDRADE- Você parece usar o mundo Ocidental e capital, como crítica à ganância, contra a violência. O BERRO seria uma afronta quase musical perante a vida Ocidental . Fale disso.

LEONARDO ALMEIDA FILHO – Creio que os contos do meu “Berro”, de alguma maneira incorporam um posicionamento político contra toda forma de violência: real, simbólica, psicológica. Como Ocidental que sou, que somos, reservo-me o direito de fala e reconheço, como canta o Milton para Lennon e MacCartney: Por que vocês não sabem do lixo ocidental… eu afirmo: eu sei, eu sinto, eu vejo, e percebo o cheiro desse lixo que me cerca e identifico seus culpados. Essa grande estrutura montada para perpetuar privilégios precisa ser denunciada por todos os que têm posição de fala e voz, e nesse sentido, os intelectuais (e nesse grupo os escritores) têm a obrigação de não se calarem, de enfrentarem o silêncio, de berrarem.

FERNANDO ANDRADE- Na segunda parte você aponta para um meta texto sobre ficção. O Papel do autor, a escrita como visão de mundo. Como você vê sua experiência como autor em relação à segunda parte e no livro todo.

LEONARDO ALMEIDA FILHO – Ao tratar da vida presente, dos homens presentes, do tempo presente (como canta Drummond), obviamente, como qualquer autor que lance criticamente seu olhar sobre o mundo, me vi no lugar de revolta, de militância estética contra toda opressão. Penso que meu papel como cidadão, como escritor, é quebrar toda forma de silêncio diante das injustiças. Abrir o berro contra a exploração do homem, contra o preconceito, contra a crueldade. Se é musical a escolha dessa luta, talvez tenha sido inconsciente.

FERNANDO ANDRADE- Na última parte você parte para experiências com a língua com temas humanos, até mitológicos. A linguagem parece que se sofistica com graduações, matizes de escrita. Fale disso.

LEONARDO ALMEIDA FILHO – A literatura é um jogo de armar, uma espécie de Lego da linguagem. A gente, quando escreve, vai montando com cuidado, capricho, estilo, esse universo que o leitor, munido de seu arsenal de experiências, vai tentar, num jogo lúdico, desarmar…sempre em vão. A última parte a que você se refere, traz essa espécie de jogo que me deu um prazer enorme ao “jogá-lo”. Os contos dessa parte, intitulada “O berro de todas as línguas”, são, a meu ver, os menos agressivos do livro, mas são justamente os mais desconcertantes, creio.

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