Fernando Andrade entrevista o poeta Ponti Pontedura

PONTE PONTEDURA - Fernando Andrade entrevista o poeta Ponti Pontedura

 
 
 
 
 

FERNANDO ANDRADE | Algumas frases começam seus poemas com corpos poemas intitulados. Com uma organicidade impressionante. Como você desenvolveu com tanta musicalidade sua verve poética. Comente.

PONTI PONTEDURA | Neste livro, o corpo surge como personagem que permeia os poemas, aparecendo de formas diversas, às vezes como poeta, depois como fantasma, às vezes como indigente, outras vezes como pessoas figuradas nos pronomes eu tu ele nós vós eles, ou pode ser também tudo o que nos rodeia ou rodeia a figura do poeta. E o que nos rodeia essencialmente é a palavra, que expressa nosso pensamento e nossa visão sobre tudo. A questão da poética, creio, surge a partir do olhar observador e reflexivo, olhar da mente, que procura ver (no sentido universal) que tudo o que há e que nos constitui se revela (à vezes) como um enorme e grandioso poema. A vida como um poema, seja no sentido tragicômico, talvez ininteligível, incompreensível, que só é possível perceber e imaginar poeticamente, representada pela palavra em seu sentido linguístico.
Creio que a poética da vida atravessa corpo e alma como algo indescritível e imensurável. Em nossa profunda limitação, nos lançamos a imaginar de forma vívida o que se apresenta como vida e finitude. Compreendo que o idioma já traz em si toda a musicalidade que há em nossa língua, só nos cabe ajustar o compasso, talvez seja o compasso da respiração verbal que nos acende por dentro.

FERNANDO ANDRADE  | Você teoriza o que pode o poema. Numa espécie de meta-texto sobre criação. E o faz de maneira bem lúdica e solta. Fale um pouco disso.

PONTI PONTEDURA | Nossa fome de poesia atual é descomunal, talvez tenha sido assim em toda a história da humanidade. E só há perguntas pairando em minha mente.
Que poemas escrever nos tempos atuais? Que poemas se apresentam em nossa oficina de palavras? Que poemas construir neste tempo profuso de tagarelice e violência? Faço uso de minhas energias vitais para me impulsionar na luta com as palavras -no sentido de junto com as palavras- palavras como parceiras nesta batalha na construção de poemas, tijolo por tijolo, buscando um desenho que não me parece muito lógico, que às vezes nem se mostra tão harmonioso. Eu não busco o tempo perdido, eu caminho em busca do tempo presente, da poesia presente. Mas qual seria a face da poesia de hoje, como reconhecê-la na multidão, como reconhecê-la no corpo social a que estamos imersos, entre as palavras e as coisas, nas coisas disformes de tudo? Imagino que talvez ela se manifeste no próprio ato da procura. Quem sabe assim eu a encontre talvez perdida no dicionário ou nas ruas da cidade. Há aquela frase muito conhecida “eu não procuro, eu encontro”. Porém, para encontrar me ponho a caminhar ao encontro desse signo precioso que transita por todos os tempos e cantos.

FERNANDO ANDRADE  | Há em seus poemas uma leve matiz de humor, muito próximo ao sensorial na poética. Me fale um pouco de suas imagens.

PONTI PONTEDURA  | Vejo que de modo geral andamos de mãos dadas com o humor e com a ironia, inclui-se aí a sisudez que às vezes se manifesta nos assombros da poesia e do poeta. Eu busco cores e tons nos versos para que às vezes pintem telas coloridas. Outros versos vêm em tons mais nublados. Ao escrever, eu busco olhar o sentido-imagem das palavras. Ou mesmo como leitor contínuo, sinto-me atraído a observar a figura da palavra. Seria como dizer que eu penso melhor visualmente e escrevo como se pintasse uma tela em ritmo de uma sequência de filme ou de uma dança, ou de uma pintura, ou mesmo de uma fotografia. Confesso que prefiro não pensar enquanto escrevo, me desligo da lógica que nos leva a mentar, apenas me solto, me equilibrando no fluxo das palavras.
Cuidadosamente me calo e sossego minha mente pra não espantar a poesia que  sobrevoa a página. Neste momento, a língua rege sozinha a orquestração de seus valores linguísticos e humanos. O ato da fala que se cale, pois é hora da poesia se expressar. O poeta pede silêncio. Que as cortinas se abram para poesia -e não para uma profusão de palavras tontas, desvairadas, perdidas no palco.

FERNANDO ANDRADE  | Existem no seu texto algumas citações de poemas e ao universo da arte. Me conte um pouco de suas referências artísticas para escrever este livro.

PONTI PONTEDURA | A poesia sempre esteve presente em minha vida como forma de ampliar a compreensão e assimilação da vida e da complexidade de toda a parafernália das coisas e das relações humanas. Minha paixão pela poesia criou musculatura
quando comecei a ler meus primeiros versinhos ainda criança. Minha mãe era professora de escola pública. Havia em casa uma estante tomada por livros. Eu reinava por ali, queria ler todos aqueles livros, e ficava imaginando como era possível escrever tantas palavras. E por que os livros são tão bonitos de se ver? A partir daí, a poesia nunca me abandonou, no sentido da leitura e também da escrita. Foi minha forma de aprender e apreender nossa língua-mãe portuguesa, afinal eu penso em português. Porém, minha atração quase magnética pelas palavras passou também a incluir imagem. Trabalhei a vida toda com imagem, em razão de minha profissão que teve início como cinegrafista, observando a realidade pelo visor da câmera, depois passei a diretor e roteirista. Há um capítulo neste livro intitulado “Dance, dance contra ventos uivantes”, inspirado na arte de Pina Bausch. Passei a ver poemas na arte da encenação dessa coreógrafa-poeta, que está neste livro como corpo dançarino. Pina disse certa vez, “A técnica é importante, mas é só um fundamento. Certas coisas se podem dizer com palavras, e outras com movimentos. Há instantes, porém, em que perdemos totalmente a fala, em que ficamos totalmente pasmos e perplexos, sem saber para onde ir. É aí que tem início a dança”. Para mim, é aí que vejo o início da poesia -no sentido do poema. Vejo na arte de Pina a presença de poesia pura. Vejo poema em seu estado expressivo em forma de corpo e movimento.
Percebi que o poema também é elaborado silenciosamente na expressividade do corpo dançarino. Porém, para as influências que pairam sobre nossas cabeças há uma extensa lista que talvez nunca se complete. Se fosse possível, deveria nutrir-me de toda poesia em uma leitura infinita. Em minha lista de livros em desordem, a leitura e releitura não tem fim. Como o instrumento do poema é a palavra, me ponho a manejar esse instrumento buscando conhecer, aprender e apreender a poesia que se apresenta no momento da escrita. E sigo a regência deste signo-maestro tão poderoso que me move e comove, levando-me à linha de frente da batalha poética como um eterno aprendiz.

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