Fernando Andrade entrevista o escritor Luiz Gustavo de Sá

Luiz Gustavo de Sá - Fernando Andrade entrevista o escritor Luiz Gustavo de Sá

 

Fernando Andrade-) Como surgiu a ideia do romance, a trama é super ágil e fluída. Como preparou a escrita para a estrutura romanesca.

Luiz Gustavo de Sá – Basicamente o romance surgiu da ideia de escrever uma história de viajante ambientada em Portugal com toques detetivescos (apesar de não ser um trailer policial). Andava lendo Marçal Aquino e Raymond Chandler na época, e creio que foram as maiores influências na elaboração da obra.

O romance foi estruturado a partir de dois núcleos narrativos: a história pessoal do personagem principal, um jornalista desempregado, perdido na vida e avesso a relacionamentos afetivos mais sérios que, inesperadamente, engravida a namorada e passa a se confrontar com um monte de dúvidas. Ao mesmo tempo, ele se envolve numa movimentada aventura ao aceitar um trabalho investigativo nebuloso, oferecido por um editor de jornal sem o menor escrúpulo. Essa investigação buscava desmascarar uma cartomante exilada em Portugal envolvida em uma suposta rede de prostituição e tinha como objetivo chantagear políticos influentes.

Para construir a estrutura romanesca, comecei por esquematizar de antemão o que cada capítulo deveria conter, a sequência dos passos do protagonista e dos demais personagens, o encadeamento dos acontecimentos, as reações e diálogos. Comecei por seguir fórmulas tradicionais, digamos assim. No entanto, quando comecei a escrever, e acho que isso acontece com a maioria dos escritores, os personagens ganharam vida própria e parte da trama acabou mudando de rumo. A estrutura básica do enredo imaginado originalmente foi mantida, mas sofreu muitas mudanças, percorrendo outros caminhos. Por se tratar de um romance, procurei enxertar divagações e situações paralelas para manter vivo o interesse do leitor e dar ritmo a obra.

O mote principal do livro é provocar reflexões sobre como as verdades podem ser subjetivas e como as mentiras muitas vezes são intencionalmente forjadas a partir de diversos interesses, alguns inofensivos, outros, perversos e repletos de más intenções. É a partir do ponto de vista do protagonista que essas reflexões são colocadas.

Após considerar que o texto estava concluído em estado bruto, passei a seu burilamento, com cortes de partes que ficaram longas demais ou desnecessárias e alteração de possíveis trechos que poderiam comprometer sua verossimilhança e seu ritmo. Essa foi a parte mais trabalhosa.

Fernando Andrade-) A ideia da ficção perpassa um pouco a relação entre verdade e invenção. Entre mentira e fato. Fale um pouco disso.

Luiz Gustavo de Sá – Na época atual da pós-verdade, as fake news infestam as mídias e as redes sociais, e as manipulações dos fatos são usadas, sem o menor pudor, para influenciar corações e mentes ou simplesmente para chamar a atenção e angariar “likes”. Nesse sentido, essas narrativas descoladas da “verdade” são intencionalmente forjadas com os mais diversos objetivos. Da mesma forma, a mentira está presente na nossa vida cotidiana. Mentimos deliberadamente por diversos motivos. Mas devemos entender também que a verdade, às vezes, pode ser subjetiva. É aquela longa discussão que ganhou força no pós-modernismo, filosofia que tende a relativizar tudo. Sem dúvida, a interpretação dos fatos pode variar, eles podem ser enxergados de diferentes maneiras, dependendo do observador. Dessa forma, é complicado utilizar uma régua que meça a verdade em muitos casos. A alegoria do detector de mentiras usada no livro tenta levantar essa discussão. O livro não tem a pretensão de aprofundar essa discussão, mas, como foi dito, apenas demonstrar que existem verdades diferentes e mentiras descaradas, e que é necessário saber reconhecê-las para não cairmos em armadilhas retóricas.

Fernando Andrade-) Como é a criação dos personagens. Como surgiu seu protagonista e desenvolveu sua voz. Comente.

Luiz Gustavo de Sá – Cada personagem foi construído inicialmente a partir das características que julguei pertinentes para desenvolvimento do enredo. Por exemplo, o editor inescrupuloso que oferece o trabalho para o protagonista deveria ser um tipo fanfarrão, sorrateiro, ardiloso, com uma aparência excêntrica e um comportamento expansivo. A namorada do protagonista deveria ser alguém segura do que pretendia, sensata, inteligente, sensível. O protagonista, um tipo desleixado, reflexivo, um tanto blasé, a princípio. Mas, como falei, a partir do desenvolvimento da história os personagens vão adquirindo vida própria e muitas vezes se tornam ambíguos. Acredito que a ambiguidade do comportamento humano é o principal tempero de uma boa história.

A construção do protagonista foi a mais complicada, por ser um romance narrado em primeira pessoa. Até ajustar sua voz para lhe dar o tom que julguei adequado, o de alguém que passa a questionar as suas verdades íntimas e sofre mudanças a partir de experiências fortes, reescrevi partes do texto algumas vezes.

Fernando Andrade-) Portugal é um lugar muito atrativo para ficções. E Lisboa nem pensar..
Como a cidade possibilitou a visualização da cena ou da sua história. Comente.

Luiz Gustavo de Sá – De fato, Lisboa é uma cidade muito atrativa como cenário de uma ficção. Além de ser linda, tem muita história envolvida, misturando tradição e modernidade. As descrições de Lisboa e arredores foram feitas a partir de anotações de viagens que fiz a Portugal, uma delas durante a Festa de Santo Antônio, que é descrita no início do livro e serviu como um cenário perfeito para o encontro do protagonista com uma moça misteriosa, que é o ponto de partida para uma aventura muito turbulenta. Como Lisboa é uma cidade muito bela e interessante e que é familiar ou atrai a curiosidade de muitos brasileiros, achei que seria o palco ideal para boa parte da trama. Escolhi também Sintra, nos arredores de Lisboa, pela sua aura de mistério, pelos seus ares esotéricos, lugar perfeito para o exílio da cartomante, objeto de investigação que move parte do enredo. Uma outra parte da trama se passa em Niterói, cidade onde moro.

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