Fernando Andrade entrevista o poeta José Eduardo Degrazia

José Eduardo Degrazia - Fernando Andrade entrevista o poeta José Eduardo Degrazia

 
 
 
 
 

Fernando Andrade – A vida esta matéria que pulsa pelas diabruras do cotidiano. Você parece poetizar seu curso com imagens muito sensuais e sutis. Comente.

José Eduardo Degrazia – Acredito que as imagens e a forma dos poemas estão coerentes com a busca, através da memória e do inconsciente (musicalidade, sensualidade, ritmo, respiração) de um tempo, onde a realidade, a natureza, o amor, a vida enfim, estavam juntos, à flor da pele, num tempo de juventude e iniciação às coisas
do mundo. A sutileza vem da mescla das descobertas da vida exterior com a subjetividade. Não me interessava nos poemas descrever esse (meu) mundo, mas refratá-los através de uma visão interna, pessoal, lírica, talvez melancólica em relação à passagem do tempo.

Fernando Andrade – Não vi um ato de fazer uma filosofia do cotidiano, são mais conjunções fulgurantes de imagens sobre a vida em seu despertar. Como é seu processo de escrita. Fale dele.

José Eduardo Degrazia – Os poemas têm uma visão de mundo, não sei se filosófica, mas ligada ao que falei acima, da passagem do tempo e da melancolia que isso produz, e que eu tento reproduzir em metáforas ligadas ao inconsciente e à natureza. São os ganhos e as perdas da vida que todos nós temos, e que a memória e o inconsciente teimam em manter vivos, apesar de que, com a passagem do tempo, tudo muda, tudo flui, tudo se transforma, nada permanece. Penso que a poesia, e, a minha em particular, nesse livro, tem um pouco a missão de manter viva em nós a vida que fomos, o mundo que vimos, a existência em sua tensão no existir. Mas os poemas são independentes, inclusive tendo sido escritos em épocas e momentos diferentes. Quanto ao processo de escrever os poemas, as imagens procuram a forma necessária, mais lírica, musical, sonora. O assunto, o tema, procura a melhor maneira para expressar-se.

Fernando Andrade – Há uma angústia que passa pelos poemas como se a vida doesse um pouco. A escrita não seria um reflexo até analítico sobre o tema. Comente.

José Eduardo Degrazia – Em toda a vida há momentos de alegria, felicidade, mas também de dor, que nos marcam; a poesia não procura apenas abarcar as perdas e os danos, mas sim tocar o lado escuro e tenso (os abismos de dor, alegria e beleza) que me emocionou de alguma forma. Daí vêm as fulgurações de que falas numa pergunta anterior. A poesia é esse momento quando o cristal da realidade se quebra e a imagem amadurece como uma fruta, ou vinho que se derrama.
Trabalho sempre com essas metáforas que procuram escavar as relações do ser pensante com o ser que se entrega à vida, sabendo sempre que será tênue e fugaz o sentimento produzido, e que é preciso armazená-lo de alguma forma, daí o poema, a poesia. A angústia, diria, a melancolia, vem da impossibilidade de aprisionar, de captar, esses momentos breves que vão, inexoravelmente, ficando para trás. A poesia tem o poder de recuperar e impedir que o sentimento desses fenômenos desapareça, pelo menos em parte.

Fernando Andrade –  A natureza, com seus bichos, animais parecem pertencer ao seu mundo poético. Fale sobre isso.

José Eduardo Degrazia – A natureza tem dois sentidos principais para mim, por um lado representa a beleza que existe na vida, sua complexidade, força e instinto; de outro, significa o desconhecido, o intocado, e, de certa forma, a paz que se encontra numa clareira no meio da mata. A natureza feito uma forma sagrada, não como viam os românticos – sendo ela um templo, a morada de deus –, mas como representando a força telúrica do universo, as forças obscuras do Cosmo.
Existe, também, uma situação mais identificável, que é a da projeção na natureza dos estados psíquicos. Alegria, tristeza, melancolia, representadas pelas mudanças do tempo, nas estações. A natureza nos seus ciclos de vida e morte, mas ao mesmo tempo de renovação e evolução. Não sei se, no meio de todas essas mudanças, a poesia permanece. Mas nela, resistimos.

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