Fernando Andrade entrevista a escritora Renata Fiorenzano Marques

Renata Fiorenzano Marques - Fernando Andrade entrevista a escritora Renata Fiorenzano Marques

 
 
 
 
 
 

Fernando Andrade-) Seu romance atravessa toda uma investigação sobre suas origens, os pais biológicos. Como foi passar toda esta afetividade para a ficção, a literatura. Comente.

Renata Fiorenzano Marques: O que me moveu a escrever Desnovelo foi justamente a vontade de narrar uma história que se concentrasse menos na adoção e mais na busca das origens da protagonista, e é exatamente por isso que decidi que a revelação de que Renata foi adotada se daria logo nas primeiras páginas do livro. O leitor acompanha junto da personagem como ela irá conseguir as informações de que precisa para entender melhor quem ela é no mundo.
É claro que a Renata do livro quer ter a confirmação “oficial” dos pais, mas instintivamente ela sabe da verdade e quer descobrir o que a levou até aquele ponto – de onde veio, quem são seus pais, quando nasceu. É justamente isso que eu e a protagonista temos em comum: aos 23 aos, descobri que fui adotada pelos meus pais numa situação muito próxima ao que é narrado no romance. Escrevi e reescrevi essa história ao longo de dois anos. Certamente há capítulos que foram mais doloridos, mais difíceis para eu colocar em palavras. As histórias de pessoas que foram adotadas são muito diversas, muitíssimo diferentes entre si, mas se há algo que nos irmana é que sempre existem muitas lacunas, às vezes intransponíveis, seja por desconhecimento ou por decisão de alguém de não revelar. Eu escolhi preencher as minhas lacunas – e as lacunas da protagonista – com a ficção, com o que eu imagino que poderia ter sido e até mesmo da forma como eu gostaria que tivesse sido.

Fernando Andrade-) Não acho que você envereda pela mediação da autoficção. Fiquei mais com a sensação com um livro de memórias com alto teor de ficção. Você trabalha tão bem a parte ficcional, que seu relato fica sempre entre a invenção e o fato. Fale disso. 

Renata Fiorenzano Marques: Que ótimo saber disso! Realmente as (minhas) memórias que aparecem na narrativa são entrecortadas por uma boa dose de ficção. Por mais que eu tivesse acesso a centenas de fotografias, cartas, depoimentos de pessoas próximas, documentos e o que mais pudesse me ajudar a recontar a história, a intenção desde o início foi a de criar possibilidades entre tantas possíveis – dessa ideia, inclusive, surgem as cinco mães biológicas imaginárias, apresentadas em Desnovelo. São cinco entre as milhares de possibilidades, infinitas.
O que procurei fazer foi uma busca pela verdade, consciente de que a verdade cem por cento real talvez não venha à tona nunca: quem poderia me garantir, afinal, que essa seria a verdade absoluta e essa outra não? O que é uma verdade absoluta? A partir daí, as questões existenciais só aumentam: quanto da nossa história nós conhecemos? Quanto dela é verdadeira? Quais são as memórias minhas, guardadas porque eu lembro de tê-las vivido e quantas são memórias aprendidas por repetição, de tanto ouvir um tio, uma tia, a avó ou o avô contarem? O interessante é que essas questões existenciais podem afligir não apenas pessoas adotivas como também biológicas cujas famílias não se debruçaram tanto em descrever determinadas situações ou esclarecer algumas passagens da infância ou da adolescência. Nesse ponto, muita gente se reconhece na história.

Fernando Andrade-) Você discute uma interessante relação entre a verdade e mentira, ou melhor, a omissão do evento, como forma de proteção dos pais para seu ponto de origem. E isso mexia muito com você, na sua natureza. Fale sobre essa questão.  

Renata Fiorenzano Marques: Como falei, eu sabia que a adoção seria parte da história, mas não o todo. E eu intuía que talvez não fosse o destaque – eu queria dar voz ao que circunda a adoção, como as mentiras que são um instrumento de manipulação para guardar um segredo. Por isso, o título Desnovelo: uma mentira nunca se sustenta sozinha, há sempre outras no entorno que vão sendo contadas para manter as anteriores, como um novelo sem fim. Antigamente era comum esconder a verdade de filhos adotivos, utilizar subterfúgios para criar uma história para preencher as lacunas da origem da criança de modo a resguardar a família adotante. As mentiras protetivas, como eu acabei chamando no livro, faziam parte do modo como os pais da Renata guardavam seus segredos. E, claro, num momento em que se descobre a verdade, a sensação de traição que fica é enorme.

Fernando Andrade-) O Fio de Ariadne é sempre um fio pelo labirinto da vida e do caminho pela saída, como nos compomos em gente. Tai o nome tão certo como Desnovelo. Fale disso.

Renata Fiorenzano Marques: Eu quis colocar a protagonista dentro de um labirinto no momento da descoberta da adoção. Ela descobre que foi adotada e, no entanto, não tem certeza; revisita o passado e percebe certos detalhes de eventos antigos que deixavam clara a adoção, mas deixavam mesmo? Ela deveria ter percebido antes? Não é injusto fazer essa cobrança a si?
O título, como falei, dá um pouco essa medida de como Renata estava confusa naquele momento, perdida entre suas descobertas e sua intuição. A partir daí, tentei tecer essa história que é um pouco minha, e que talvez seja de tanta gente. Uma narrativa sobre nossas buscas e sobre os não-ditos que nos assombram.

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