Fernando Andrade entrevista a escritora Victoria Monteiro

Victoria Monteiro 2023 - Fernando Andrade entrevista a escritora Victoria Monteiro

 
 
 
 
 

Fernando Andrade) A ideia de signo no seu livro me parece uma veia poética para o ambíguo, embora você contraponha o homem ao signo, este homem nada muito enigmático. Como se dá esta relação entre os dois? Comente.

Victoria Monteiro: De fato, o signo é esta abertura. Mas como a materialidade do signo se relaciona à matéria da vida, ao homem de carne e osso? Acredito que essa é uma pergunta constante nos poemas. Às vezes, numa relação de complementariedade, já que de toda forma não há contato direto com a matéria da vida senão por meio do signo, então o assumimos na abertura que lhe é própria; outras vezes, de exclusão, pois há o homem, há o signo, e um intervalo imenso que parece separá-los.

Fernando Andrade) Fiquei com a impressão que você fala de você não numa autoficção poética, mas num subtexto super poderoso onde as lacunas te preenchem com suas vestes. Fale sobre isso.

Não tenho problemas em assumir a voz poética de uma mulher, que muitas vezes fala inclusive na primeira pessoa, quando sei que a distância que me separa (pessoa que escreve) do texto é a condição mesma para o texto existir. Assim, concordo que não se trata de autoficção, e talvez por isso das lacunas.

Fernando Andrade) O gato é quase um personagem recorrente. Como este bichano se aproxima de sua estética poética? O gato é um ser poético?

Victoria Monteiro: Os gatos fazem parte do meu universo afetivo e simbólico. Gosto de observá-los e estar na presença de uma natureza alinhada consigo mesma, como quando observamos qualquer animal. Para nós, seres de linguagem, essa é raramente uma opção. Não sei se o gato é um ser mais poético do que outros, se é que alguma coisa é poética em si, mas a relação que estabeleço com eles não pode senão participar do que escrevo. Assim como as palavras, os gatos são feitos de muito silêncio e nos observam de volta.

Fernando Andrade) Como, para você, a tradução ajuda na criação poética? Trabalhar com palavras compõe uma memória melódica dos versos? Fale disso.

Victoria Monteiro: Traduzir literatura é certamente se atentar ao ritmo, dentre tantas outras coisas, e consequentemente se tornar mais sensível a isso. Mas, de certa forma, escrever já é traduzir, pois assim como não há identidade possível entre duas línguas, não há identidade entre a matéria sobre a qual se escreve e o texto, já que essa matéria só pode existir, enquanto poema, pela intermediação da linguagem. Traduzir certamente amplia meu “estranhamento” com relação a minha própria língua, além de me permitir beber da estranheza de outra, ambas as coisas tão caras à poesia.

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