Romance “O melhor livro de autoajuda do mundo” satiriza a vida social de um escritor | Fernando Andrade

Gabriel Paciornik - Romance “O melhor livro de autoajuda do mundo” satiriza a vida social de um escritor | Fernando Andrade

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Fernando Andrade | escritor e jornalista

A intimidade pode levar um escritor à loucura. Escrever na primeira pessoa bota o espaço, o mundo dentro nós, mas também apuramos o senso crítico sobre o universo, as pessoas, o real que nos dá corda e tema para trabalhar.
Um cientista olha o mundo com suas lentes e testando hipóteses. Mas um escritor ao desenvolver um livro não testa sentenças nem verdades sobre si mesmo. A ficção é o elemento do universo em destruição.
Mas quando falamos de nós mesmos como numa prática de autoficção, nossa vida se torna como produto da mimese da literatura. No livro de autoajuda a situação se modifica. Falamos talvez até na primeira pessoa, mas, o objetivo é salvar o mundo do perigo, do aborrecimento. Gabriel Paciornik, autor de “O melhor livro de autoajuda do mundo” (Editora Labrador), usa a primeira pessoa, mas não está muito ligado a se levar a sério, não quer salvar o mundo; seu personagem, Geraldo, um escritor que faz freelas de tradução e revisão, parece mais um anti-herói sem nenhum talento para fama ou para a grana de direitos autorais. Ele recebe este tipo de trabalho de um amigo, Aloísio, que bota ele para escrever, talvez, o melhor livro de autoajuda do mundo. Temos aí um duplo de autoria.
Gabriel usa seu personagem/autor Geraldo para falar sobre os processos da criação num mundo diluído pelo sucesso e fama. A escrita como forma terapêutica de auxiliar na condução de uma vida. Geraldo começa a escrever, mas não tem muitas ideias. Seu amigo Xaxim leva-o a certo lugar, onde encontram um demônio escritor que será um arauto, ou mensageiro grego, ou coro para rechear a biografia fictícia do escritor. O demônio que come larvinhas e adora groselha fala tudo ao contrário que um iniciante deve escutar na seara de fabulação da primeira pessoa.
Para peitar as amarras da conveniência, chutar o bom gosto e o estilo do amor próprio, escreve com raiva ou fúria, criando uma mitologia em torno de si com muito misticismo, e história das civilizações.
Geraldo mora sozinha perto de um botequim, sua vida é uma órbita por entre figuras humanas das mais interessantes para escrever algo que funcione para ajudar alguém. Acontece que o livro vai para a editora e faz um sucesso retumbante, para a curiosidade dos jornalistas. Não era isso que o autor esperava. Sentia que algo não saísse bem como refletia em seu interior.
Começa a ser procurado para entrevistas, mas a fama requer certo status que Geraldo não possui; gosta do café do botequim, seu afeto anda desvairado e louco. Fala em suicídio num livro de autoajuda, mantém o pessimismo filosófico na ponta da língua afiada. A vida é sempre fúria quando temos a tempestade e não o fim de uma bonita tarde de verão.

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