Fernando Andrade entrevista o poeta André Luís Câmara

André Luís Camara - Fernando Andrade entrevista o poeta André Luís Câmara

 
 
 
 
 
 

Fernando Andrade-) Teu livro de poemas é uma obra aberta como diria Umberto Eco, nossa leitura conta com sua experiência sobre a história da MPB e da poesia brasileira, e do cinema nacional. E do anedotário da cultura do país. Como foi escrever tendo isto em mente.

André Luís Câmara-) Fico contente de você se referir a esse conceito de Umberto Eco, é no mínimo gratificante saber que um poema meu pode levar pessoas que o leiam ou o escutem a diferentes interpretações, a uma diversidade de sentidos. Nem sei se chego lá, mas me alegro com essa observação. Quanto ao que você percebe haver nos meus poemas em relação à música popular brasileira, à poesia e ao cinema nacional, sou completamente fascinado por isso tudo. Em Itinerário de Pasárgada, Manuel Bandeira diz que “não há nada no mundo que eu goste mais do que música”, cito de cabeça, é mais ou menos assim. Me identifico bastante com essa preferência. Desde muito garoto sou encantado pela música popular brasileira, principalmente pelo período de fins do século XIX até a década de 80 do século XX. Não que não goste das canções de hoje, adoro muita coisa. E me incomoda esse papo de nostalgia mórbida de quem fala: “hoje não se faz mais nada”. Agora, sou sim bastante afeito a um tipo de canção que se consolidou ao longo do século XX. Não à toa, Luiz Tatit escreveu um livro que se chama O século da canção. E Lorenzo Mammi publicou na revista Piauí o artigo “A era do disco”. São leituras e audições que se mesclam ao que quero dizer em versos. Meus poemas são, quase sempre, atravessados pelo que trago de memória auditiva, de leituras, de imagens do cinema, do teatro, da TV, de blocos de Carnaval. Então, não é que eu tenha isso em mente como um projeto, ou até pode ser que seja e não me dê conta disso. Mas o que acontece mesmo é que, muitas vezes, meus versos reverberam paixões que tenho na música, na poesia, no cinema, e que tenho vontade, ou até necessidade, de passar adiante, de cantar.

Fernando Andrade -) Minas é para você uma riqueza imensa e tem você, um carinho generoso por lá. Por que esta preferência por Minas. Comente.

André Luís Câmara-) Tenho uma relação de afeto grande com Minas, que se liga à poesia de Drummond e à música de Milton. Desde criança me vi apegado à história, às lendas dos inconfidentes. E o Romanceiro, de Cecília Meireles, tem para mim uma importância imensa. Amo as cidades históricas de Minas, embora hoje reconheça nelas todas as contradições e as injustiças ali cometidas, e esse horror que é a escravidão no nosso passado e no nosso presente. Recentemente, li Arraial do Curral del Rei: a desmemória dos bois, da Adriane Garcia, uma poeta contemporânea que admiro demais. O livro, de 2019, fala de esquecimento e memória na construção de Belo Horizonte. Não por acaso, tem como epígrafe versos do Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles, além de versos de Drummond. Fiz, na adolescência, poemas que falavam de Minas. Aconteceu de, nesse novo livro, sem que eu programasse, aparecerem pelo menos quatro poemas que se referem a Minas Gerais: “Montanhas de Minas”, “Prosa mineira”, “No térreo do Hotel Toffolo” e “Araucária”. O primeiro eu fiz ao me lembrar que faltavam poucos dias para o aniversário de um amigo que eu não vejo há quase 30 anos, e que nasceu e mora em Nova Lima, no subúrbio de Belo Horizonte. Aí coloquei nos versos todo esse meu afeto por tantas cidades mineiras. Quando o Fernando recebeu o poema, ficou tão emocionado, que nem conseguiu falar nada. Pediu para a Denise, esposa dele, me ligar e ficou ao lado dela, sem pegar no telefone. E ela até me disse que queria dar os versos pra um primo dela, compositor, musicar…

O segundo, eu dediquei a Alexandre Brandão, poeta e cronista, que nasceu em Passos e mora há muitos anos no Rio. Eu ainda morava em Santa Teresa, único bairro do Rio onde ainda há bonde, embora de uma forma precária, apenas com uma linha em funcionamento. E o som do bonde sobre os trilhos me levou à maria-fumaça cantada pelo Milton Nascimento. Me lembrei do Alexandre, que no poema eu chamo de Xandão, e ainda me referi ao maravilhoso Aníbal Machado, de quem na época estava lendo alguns contos. Um autor mineiro que admiro também pelas famosas “domingadas” que aconteciam na sua casa em Ipanema, no Rio, nas décadas de 1940, 1950.

O terceiro poema relacionado a Minas foi feito a partir de uma postagem do Jorge Sanglard numa rede social sobre o Hotel Toffolo, que fica em Ouro Preto, era muito frequentado pelo Guinard. Então me lembrei de uma vez em que estive no bar desse hotel, na década de 1980. E os versos nasceram daí.

O quarto poema, “Araucária” tem por título o nome da rua no bairro do Jardim Botânico onde morava o músico e compositor mineiro Francisco Mário, nascido em Belo Horizonte, e que costuma ser mais conhecido como o irmão do Henfil e do Betinho. Eu tinha catorze anos quando vendia o primeiro LP independente dele, que se chamava Terra, em 1979. Ia ao seu apartamento num prédio de três andares nessa rua Araucária, conheci o Marcos Souza, filho mais velho e hoje reconhecido como grande músico e compositor, que nem tinha dez anos na época. Vi Ana e Karina ainda bebês no colo da Nívia. Um dia, ao passar por essa rua e pelo prédio onde eles moravam, pensei em escrever alguma coisa, que guardei na cabeça um tempo, até que, anos depois, foi surgindo esse poema.

Fernando Andrade-) As citações são grandes no seu livro. Como foi costurá-las no texto poético do livro.

André Luís Câmara-) Pois é, as citações. Chego até a dizer em um dos poemas, que se chama exatamente “Citação”: “Citar nome? Esquisito. /Torna o verso chato, /um cacoete, um vício…”. Claro, não cito apenas nomes, são inúmeras referências, como, de certo modo, já falei na resposta a sua primeira pergunta. A costura vou procurando fazer ao longo do tempo em muitas versões. Reescrevo bastante os poemas. Em certos casos, dezenas de vezes.

Fernando Andrade-) Que relação sua poesia tem com sua experiência de vida e seu trabalho, principalmente com suas leituras, fale disso.

André Luís Câmara-) Olha, tem muito a ver com minha experiência de vida, com o que vejo, olho, cheiro, escuto no dia a dia. Tem a ver com o que sofro, com o que me alegra, o que me incomoda. Tem a ver com o que eu amo, sinto falta, com o que não consigo dizer completamente. E tem muito a ver com tudo isso e com o que imagino, com o que gosto de inventar a partir de vivências e de sonhos, de leituras, de angústias, de alegrias. Nesse novo livro, resolvi incluir, no fim, uma parte de “Notas do autor”. Espero que possam ser lidas como parte importante do livro. Como pesquisador de acervos literários e de música popular, como revisor e editor de textos, e até como assessor de comunicação que fui a maior parte do tempo de minha experiência profissional, sou bastante a favor de notas de rodapé ou de fim. Claro, notas nem sempre são necessárias em um texto, podem ser cansativas. Eu, no entanto, sou cada vez mais favorável a notas que possam melhor contextualizar uma citação, um trecho, às vezes até uma dedicatória. Ao menos, nesse livro, quis incluir essas notas, que não irão jamais explicar um poema. Um poema que queira se explicar nem precisa ser escrito. Agora, essas notas são também do poeta que é pesquisador, editor de textos, jornalista. São notas que espero que conversem com quem leia meus poemas, com minha filha Camila e meu filho Pedro, com amigos e amigas. Melhor ainda se esse meu terceiro livro chegar a ser lido por desconhecidos e desconhecidas.

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Poeta André Luís Câmara

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