Fernando Andrade entrevista o escritor Tiago Feijó

Tiago Feijó - Fernando Andrade entrevista o escritor Tiago Feijó

 

Fernando Andrade -) Uma lembrança, um acontecimento, até uma saudade pode faiscar uma estória. Quais desses motes você reportou para escrever seu romance. Fale sobre isso.

 Tiago Feijó: O enredo do livro parte de uma experiência que tive com meu pai em 2015. Na ocasião, passamos doze dias num hospital, ele como paciente, eu como acompanhante. Meu pai morreria ao fim daquela jornada e eu sairia do hospital enlutado e com o germe desta história na cabeça. É importante dizer que o livro todo é ficção, apenas o enredo é que me foi sugerido por aquela experiência. Eu e meu pai sempre tivemos uma ótima relação, muito diferente do que se passa no livro com os dois protagonistas, também eles pai e filho.

Fernando Andrade -) Você costuma na escrita fazer a imersão completa na linguagem e no roteiro, criando imagens, facetas, e muita polissemia. Como foi o seu processo de escrita para esta imersão no desenvolvimento do enredo. 

 Tiago Feijó: Já no hospital com meu pai em 2015 fiz algumas anotações a respeito daquilo que estávamos vivendo. Principalmente notas referentes a terapias e jargões médicos. Também anotei algumas ideias sobre os personagens e a própria trama da história. Dois anos depois, quando iniciei o processo de escrita, tive que retornar àquele tempo, àqueles dias, no intuito de reviver um pouco as situações que vivi e os sentimentos que me geraram. Ao decidir por escrever um livro de estrutura não linear, labiríntico, tive que escolher entre dois caminhos: um, escrever o livro em ordem cronológica e depois de pronto desmontá-lo; dois, escrever o livro já previamente desconstruído, na ordem labiríntica na qual ele se apresenta. Escolhi o segundo caminho, o que foi uma escolha a meu ver audaciosa, visto que poderia cair em muitas armadilhas do enredo.

Fernando Andrade -) Tanto Raul quanto Antônio são personagens tridimensionais, complexos, com muito material humano a deslindar. Comente os personagens. 

 Tiago Feijó: Minha ideia inicial sobre as personagens dessa história era criar um espaço onde duas pessoas muito diferentes, divergentes quanto à compreensão do mundo, e até mesmo opostas e conflitantes, tivessem que conviver, se entender e se aceitarem por certo período de tempo. Um pai e um filho, que estão muito afastados um do outro, me pareceu uma escolha rica em significados. O pai, o senhor Raul, é um homem vazio, egoísta, solitário e repleto de muitos defeitos. O filho, Antônio, é dedicado, carinhoso, ainda um pouco isento de certa bagagem de experiências. Desta relação distante e fria entre pai e filho, certamente foi Antônio quem sofreu mais. Juntos por doze dias num quarto de hospital esses dois homens terão que apreender muita coisa um do outro e de si mesmos.

Fernando Andrade-) O realismo às vezes é uma pedra dura no caminho, pensei que Raul pudesse fazer uma redenção rumo à vida. Queria que você falasse desta dura e crua vertente de um processo do realismo, da dor e também da solidão do seu personagem pai.

 Tiago Feijó: A personagem do pai, do enfermo nessa história, é uma personagem que cumpre a sua redenção à medida do possível, com as forças que tem para salvar a sua memória e dar outra dimensão ao resto de vida que lhe sobra. Como todo e qualquer homem, o senhor Raul possui os seus erros e equívocos, é um cego trilhando o caminho da vida. Penso que tornar o senhor Raul num homem redimido e santo seria pôr em risco a verossimilhança da narrativa, tornando-a frouxa e covarde. Foi preciso mostrar neste livro que o homem possui muitos defeitos e terá que se haver com mundo pelos seus erros. Mas foi igualmente preciso mostrar que sempre há um caminho para o perdão e a compreensão/aceitação desses mesmos erros. O realismo exigi isso de nós, que não o abrandemos ou o suavizemos, sob pena de não representarmos o mundo tal qual ele é.

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