Fernando Andrade entrevista o poeta Michel Lagerlof

Michel - Fernando Andrade entrevista o poeta Michel Lagerlof

 
 
 
 
 
 

Fernando Andrade: Você parece trabalhar a memória onde suas referências atualizam na sedimentação de uma infância que lidam com temas como solidão, solitude,e principalmente, a música através dos sentidos. Fale sobre isso.

 Michel Lagerlof: Empty Sonhos é um livro de compromisso com a memória. Embora não se esgote na infância, há o reconhecimento de um valor nos anos de formação, inclusive “empty sonhos” era o nome de um caderno que escrevia na infância. Explico um pouco isso na nota autobiográfica, mas insisto que a expressão também tem sua própria significação no livro. Escrever é algo solitário desde pequeno. O que não me coloca como um gênio precoce, mas como alguém que sentiu a infância, por vezes, solitária. Não sei se é um trauma. Nunca fiz terapia sobre isso. O livro traz uma voz dialógica, que sempre está procurando um diálogo, seja comigo seja com o outro, para fugir desse estado de solitude. Já a música é a memória e a linguagem, há um namoro entre as duas coisas. Fernando Pessoa dizia que a poesia é a música que se faz com as ideias, sigo um pouco por aí.

Fernando Andrade: Há um trabalho entre linhas do masculino e do feminino lidando com certa androginia, com certa interseção entre sexos. Por que estas questões de não marcações fixas entre gêneros.

 Michel Lagerlof: A androginia é o símbolo para uma voz poética, não confundir com sexualidade. A Fausta, amiga de família que cito no início do livro, jogava Tarot. Na única vez que ela jogou cartas pra mim caiu a Lua, que é uma carta sobre o feminino. Não tem nada a ver com “fragilidade – teu nome é mulher” proferida pela mãe de Hamlet. É Moby Dick, sabe? A animalidade, a naturalidade, o início, os ciclos naturais. Um feminino que se confunde com a própria natureza. Quando entendi isso, passei a aceitar um feminino que participa da minha constituição. A propósito, a Fausta era uma pessoa muito curiosa, parecia a Hebe Camargo, sabe, inclusive foram amigas. Ela causou impacto em mim, estudava alquimia – pudera, olha a sugestão do nome, Fausta. Com felicidade, ainda guardo uma cópia do seu livro, Rosário da rendeira, de 2002. São poucos, mas alguns poemas têm essa voz, mais identificada com o feminino, assim como tem a voz do homem e do menino.

Fernando Andrade: A bricolagem musical é a linguagem dos usos das referências e das citações, construindo uma poética tão narrativa quanto livresca, e curiosa. Como alinhavou toda esta costura.

Michel lagerlof: Acredito que quando fala em “bricolagem” já estejamos no campo das teorias, das análises. Na verdade, não houve nenhum projeto nessa direção, as referências musicais são da memória. O pai do meu irmão, Tranka, foi um grande contrabaixista, maestro e compositor, minha mãe também, apesar de jornalista, andava com a trupe da música carioca. Então a música sempre esteve muito próxima lá em casa. Toda e qualquer costura acontece a partir disso, a memória.

Fernando Andrade: O universo cinéfilo, também, aglutina nas simbologias de uma costura muito norte-americana, trabalhando símbolos, mensagens, e culturas. Fale um pouco disso.

 Michel Lagerlof: Na verdade, sou alguém que vê pouco cinema. No geral, gosto mais do cinema europeu, nem precisa ser cult e inteligente; adoro a Hammer – produtora inglesa de terror nos setenta. Mas isso não entra no livro. Minha poesia é mais ancorada na vida mesmo. A referência ao Gene Kelly, por exemplo, é memória de minha mãe; ela sapateava também, então adorava o ator. A gente assistia muitos musicais, não me surpreenderia se meu irmão me dissesse que A noviça rebelde foi o filme que mais assistiu na vida.

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