A poesia sombria e urbana de Entre a miragem e a fuligem | Marcelo Frota

Ederson Nunes - A poesia sombria e urbana de Entre a miragem e a fuligem | Marcelo Frota

 
 
 
 

Marcelo Frota | escritor e crítico de literatura

Entre a miragem e a fuligem, (Ed. Penalux, 2022), de Ederson Nunes é uma coletânea poética escrita dos 17 aos 24 anos do autor, tendo como influência diversos poetas ao qual o autor foi conhecendo durante o período de tempo de quase oito anos. A poesia de Nunes é marcada por um certo desconforto, que se fazem presentes em seus versos,onde a felicidade nem sempre é um fator constante e a  melancolia parece uma parceira fixa.

Nunes é um poeta em formação, onde a veia está exposta e a ansiedade de produzir se faz presente, em versos de cotidiana beleza, quase como se uma nuvem precisasse se dissipar para que a fina flor da poesia fosse exposta a luz. Algumas vezes, os poemas parecem trabalhados demais, e isso não é um demérito, mas sim, possivelmente um reflexo do tempo em que a poesia esteve dormente.

O sombrio A dor, poema que abre o livro, retrata a violência e a celebração do horror por aqueles que a perpetram: “A dor estava lá quando as crianças foram mortas/E estava lá também na festa dos algozes/E no leito do facínora/E na toca dos ladrões.”

Os versos fortes, emulsionam uma realidade presentes em pequenos e grandes centros, lugares onde a violência e o assassinato, dependendo da geografia dos bairros, é algo tão corriqueiro quanto comprar um litro de leite no mercadinho local. Não pude evitar, nas imagens poéticas dos versos, lembrar de filmes marcantes do nosso cinema, como Cidade de Deus, de Fernando Meirelles e Pixote: A lei do mais fraco, de Hector Babenco. Produções que mostram o quanto a inocência e a humanidade são destruídas pelo meio, trazendo à tona uma realidade marcada pela desigualdade e pela violência, realidade esta, que em outro contexto social, possivelmente não produziria os frutos que produz.

Em Imenso som, a noite é palco para a trama que se revela entre esquinas pouco iluminadas e avenidas desertas: “Os gritos no meio da noite/Não têm seus sons verdadeiros/Soam sempre imensos/São gritos que ouço com medo.” É o relato de vidas marginais, prostitutas gloriosas em sarjetas e vielas escuras, o sonho de ser diluído pelos infortúnios da vida e do meio? Imenso som permite essa, e outras interpretações, com a vastidão decadente de suas imagens. A existência da degradação, da melancolia e da desesperança fazem dos versos insumo para reflexão sobre aquilo que se esconde nas sombras, longe do alcance dos olhos, das janelas dos carros e apartamentos que testemunham as ruas.

O poema O negativo, versa pelas inconstâncias da vida, em uma atmosfera sombria de descontentamento: “Viver/Quase sempre/É um negativo/Um ir e vir sem forma concreta/Cores, contornos e direções ao contrário.” Poema autobiográfico? Sem dúvida.
Mas também uma reflexão sobre ao que nos expomos como seres pertencentes ao mundo, a sociedade e as expectativas. A insatisfação é quase inevitável, e a reflexão sobre a vida e seus descaminhos, uma necessidade.

Entre a miragem e a fuligem é um livro que leva a reflexão, sobre a vida, a sociedade, a inatividade e a morte.de muitas maneiras, um relato do peso de viver em uma sociedade em que os cegos parecem ditar as regras, e, aqueles que enxergam, se tornam as testemunhas de uma insanidade instaurada, uma realidade paralela que foge da razão, impondo suas trevas.

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