Movimento 78 questiona os limites éticos de uma sociedade governada por algoritmos | José Ismar Petrola

FLAVIO IZHAKI - Movimento 78 questiona os limites éticos de uma sociedade governada por algoritmos | José Ismar Petrola

“Movimento 78”, de Flávio Izhaki

 
 
 
 

José Ismar Petrola | escritor  

A inteligência artificial é capaz de governar o mundo melhor do que os humanos? Em “Movimento 78”, de Flávio Izhaki, misto de ensaio e romance, esta questão é o mote para a fabulação especulativa de um futuro distópico onde um candidato representante dos humanos e um avatar de inteligência artificial disputam uma eleição.

Como um hipertexto interligado por ensaios que aprofundam seu tema, a narrativa vai e volta entre um presente que já é, em si, uma distopia futurista governada por algoritmos e um futuro que se nos revela estranhamente atual, com a inteligência artificial direcionando as decisões que afetam a vida de toda a humanidade.

O movimento 78, mencionado no título, refere-se a um episódio real: em 2016, Lee Sedol, jogador sul-coreano de Go, perdeu quatro de cinco partidas para o software AlphaGo – até então, era considerado impossível uma inteligência artificial vencer um humano nesse complexo jogo de tabuleiro onde a intuição costuma ser importante. A única partida vencida por Sedol foi decidida no 78º movimento, em que o jogador humano fez uma jogada bastante imprevisível que desnorteou seu adversário eletrônico.

Numa disputa eleitoral que parece ser a batalha final entre humanos e avatares de inteligência artificial, o protagonista Seiji Kubo procura seu “movimento 78” para derrotar seu oponente robotizado. Ele próprio, representante dos humanos na disputa, tem um histórico familiar marcado pela violência de decisões tomadas por algoritmos e sistemas robotizados onde não há espaço para o diálogo e o contraponto humano.

As reflexões de Flávio Izhaki nos alertam para o potencial da inteligência artificial para criar o que Cathy O’Neil chama de “armas de destruição matemática”: confiamos na capacidade técnica dos softwares para a tomada de decisões com base em bancos de dados gigantescos numa velocidade ultrarrápida, mas não damos conta da complexidade dos fatores humanos envolvidos. Caímos, mais uma vez, na contradição de uma crença tão arraigada no desenvolvimento técnico que acaba se tornando o oposto da libertação prometida pela tecnologia, como já se viu em outros momentos históricos onde uma pretensa racionalidade se transformou na própria barbárie.

Apesar da complexidade das questões, a leitura é fluida, com suspense bem construído, e nos inquieta principalmente pela sua atualidade, neste momento em que os debates sobre questões que dizem respeito a toda a humanidade parecem ser cada vez mais conduzidos por inteligências artificiais e por humanos também robotizados.

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