José Ismar Petrola e Fernando Andrade entrevistam o escritor João Bastos de Mattos

João Bastos de Mattos - José Ismar Petrola e Fernando Andrade entrevistam o escritor João Bastos de Mattos

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José Ismar Petrola: Em seus contos, a narrativa parece ir para uma direção num momento, e se dirige para um desfecho inusitado, como se a história contada fosse outra. Qual é o seu ponto de partida para esses contos?

João Bastos de Mattos:: Ao refletir sobre essa pergunta, me lembrei do primeiro conto que escrevi na vida, e que me deu o 2º lugar num concurso organizado pela Petros, em 2008. A semente desse conto estava num episódio que me acontecia quase cotidianamente, em minhas andanças no entorno de meu trabalho, na hora do almoço. Devo dizer que a visão dos velhos sobrados do Centro do Rio foi algo que me fascinou desde que cheguei ao Rio em 1975, recém-formado em engenharia. Esse fascínio continua até hoje, mas nessas andanças me incomodavam duas coisas: a profusão dos papeizinhos de propaganda e a falta de lixeiras para descartá-los. E eu sempre imaginava que, ao amassar os papéis sem nem ao menos passar os olhos neles, algum dia eu ia desprezar uma oportunidade muito boa que me era oferecida. Essa passagem insignificante passou a figurar no cerne de Corazón Partido, o conto de 2008, conto que apresenta também a dualidade, a existência dos frequentes dilemas que se colocam na vida de um ser humano.

José Ismar Petrola: Suas referências geográficas e literárias são variadas, indo de Portugal e Pessoa até Minas e Guimarães Rosa, combinando as sensações de exílio e de enraizamento, e isto se reflete numa diversidade de linguagens e vozes narrativas. Como é a sua pesquisa de referências e de linguagens até encontrar a voz de cada conto?

João Bastos de Mattos: Lembro-me do conto Não posso querer ser nada, que tem uma origem curiosa. Um dia me animei a participar da excelente Ciclo Mutações, organizado por Adauto Novaes. Lembro-me de uma palestra de Pedro Duarte de Almeida, que falava de Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. Ao mesmo tempo em que ouvia o conferencista, fiquei imaginando como aquela profusão de personagens convivia na cabeça do poeta. Lendo depois a Fotobiografia de Fernando Pessoa, de Richard Zenith e Joaquim Vieira, veio-me a ideia de um heterônimo adicional, desconhecido por todos, e a trama se fez por aí.

Fernando Andrade: Tua ficção me parece um jogo de apropriação de elementos da sua leitura. Como um puzzle de montar onde criação sempre vem junto com uma relação de trabalhar referências literárias? Fale um pouco disso.

João Bastos de Mattos: Não consigo ler a obra de um autor sem me interessar por um sua vida e o contexto histórico em que ele viveu. Gosto de saber como era sua família, quais foram seus amores, como era a cidade que habitava, o que acontecia no mundo no período de sua existência. Por isso tenho vários volumes da coleção Vidas Literárias, editada pela Jorge Zahar nos anos 80/90: as vidas de Joyce, Proust, Shakespeare, Virginia Woolf, Wilde. Quando a obra era mais complexa, eu me interessava por livros que esmiuçavam o fazer literário do autor; para isso foram muito úteis as minhas inúmeras visitas aos inesquecíveis sebos do centro do Rio: Livrarias Brasileira, Império, São José, Berinjela. Muita coisa sobre a obra de Joyce e de Guimarães Rosa consegui nessas visitas. E devo a elas a elaboração da seção Minhas memórias dos outros, do Urdiduras.

 Fernando Andrade: Fale um pouco do humor nas suas narrativas. Há algum traço paródico com que você já leu e se apropriou, canibalizando temas e propostas para falar do traçado interno de toda ficção que é um percurso onde o outro sedimenta pegadas, deixando ao próximo seus traços da escrita e assim sucessivamente. Comente.

João Bastos de Mattos: É interessante a pergunta sobre o humor, porque percebo que esta é uma característica de minha família, certamente herdada de meu pai, que, à parte ser um filósofo de profundo saber, era um professor de francês muito brincalhão. Um pouco desse aspecto de sua personalidade escondia sua timidez, uma marca que carregava desde os tempos da vida de monge beneditino. Mas é melhor um professor bem humorado do que outro carrancudo, não é?

 Outro ponto que você cita na pergunta é o encadeamento de ideias e estilos que os diversos autores carregam, como uma árvore genealógica de influências. Isso é uma constante na literatura – me lembrei aqui de Sterne influenciando o gênio de Machado de Assis, e de Guimarães Rosa bebendo da fonte do regionalismo brasileiro para transfigurá-lo em sua escrita absolutamente peculiar. E, sem querer comparar nem de longe minha obra com quaisquer dos grandes monumentos da nossa literatura, penso que tal encadeamento ocorre em toda a elaboração literária.

 

 

João Bastos de Mattos é paulista de Capivari, nascido em 1952. Cursou engenharia no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), com pós-graduação em Estatística pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA). Desde 1975 vive no Rio de Janeiro, tendo trabalhado por 33 anos na Petrobras, onde atuou na área de Planejamento Energético. Publicou em 2012 o trabalho de pesquisa histórica e genealógica Oriundi: os italianos em Capivari.

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