O gigante O ano do cão, de Patrícia porto | Marcelo Frota

Patricia Porto - O gigante O ano do cão, de Patrícia porto | Marcelo Frota

 
 
 
 
 

Marcelo Frota | escritor e professor

O ano do cão (Ed. Penalux, 2022), novo livro da poeta carioca Patrícia Porto é um livro de batalhas, um exercício de estremos entre amor e loucura, um relato do feminino, em tempos de intolerâncias. A introdução da autora, dá o tom do que está porvir: “Que dias doloridos vivemos, mãe-avó. Dias de traição no exercício da violência mais bruta pelo gesto, pela palavra dita-dura. Tentar encontrar conforto no peito do traidor, como falava o poeta. Então, mãe-avó, caberá sempre à mulher o papel da louca, da bruxa, do que deve enfim ser destruído, aniquilado, negado, torturado na carne, queimado até chegar no número que nos desumaniza”.

O livro inicia com Ciclo de Salò, abrindo o capítulo com a citação de Dante Alighieri, presente em A divina comédia: “A meio do caminho dessa vida/Achei-me a errar por uma selva escura…”. A escuridão se faz presente, permeando diálogos, monólogos, anseios, questionamentos e lutas.

No poema “nunca fui bendita”, fé e rejeição se amalgamam: “onde posso beber dos olhos da santa?/onde encontrar o macio dos braços da infância que não tive?/o martelo atravessou a janela quebrando meus braços./A arte é o movimento esquizoide dos meus abraços para o amor que sempre me rejeita em caleidoscópio./ mãe, por que as mulheres choram?”

Os versos amargos, remetem a infância, as quebras e traumas da idade da inocência.
Clamam por um amor que nunca veio de forma intensa, imploram pela ternura que se fez ausente. O questionamento do choro à mãe, vem acompanhado do silêncio. A resposta, poderia ser dura demais, triste em excesso, e, o que vem a seguir, em outros versos, é o consumo da carne, a ausência de espirito no corpo. O canibalismo alegórico, o corte e o sangue, uma metáfora para o não sentir.

Ciclo de Sísifo, inicia com uma citação de Camus, presente em O mito de Sísifo: “Deixo Sísifo na base da montanha!/As pessoas sempre reencontram seu fardo. […]”. E com este novo ciclo, vem um sentido de mobilidade, uma road trip sombria.

O poema Lisboa, mostra vislumbres de uma felicidade delicada, reflexo de um sentimento estranho, quase alienígena, buscado por todos, alcançado por poucos: “Quando eu escutava o folk eu fui até um tanto feliz/Mas eu me perdi de novo tentando não me perder de tudo/Essa pouca graça de existir/Essa penitência para pagar/Tanto castigo, tanta dor para mastigar/Com pão e manteiga/Lá em Lisboa eu fui um tanto feliz” […] Felicidade, esta palavra desgraçada, que assombra tantos e parece, estar presente, com mais constância, em períodos de mobilidade. A aparente leveza dos versos de Lisboa, traz consigo a prenuncia do sofrimento, a quase certeza da chegada do antônimo da felicidade.

Ciclo de Safo fecha O ano do cão, com esperança e força, uma celebração a mulher e sua garra, a batalhadora de guerras cotidianas, de amores feitos e desfeitos, de desejos expressos sem vergonhas ou pudores.

Lilith resume essa garra em versos de intensa simplicidade, mas de imenso significado:“Eu não sou mulher de correr atrás/De correr por trás/De tomar atrás sem querer/Quem me come é a vida/Eu não sou mulher de Lot/ Eu não olho para trás/Eu sou meu próprio sol/Meus próprios sais.”

O ano do cão, em seus intrincados caminhos e significados, representa mais um passo na jornada de Patrícia Porto para se tornar uma das poetas mais celebradas da nossa literatura. Sua poesia, forte, cadente, contestadora e contemporânea a colocam naquela lista de autoras que são um must know na nossa literatura, ao lado de Cecilia Meireles, Ana Cristina Cesar e Hilda Hilst. Patrícia, GIGANTE PORTO.

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