Fernando Andrade entrevista o escritor Cristiano Gualda

Cristiano Gualda - Fernando Andrade entrevista o escritor Cristiano Gualda

 
 
 
 

FERNANDO ANDRADE:  Há uma certa linha insólita, sutil, em alguns dos seus contos, que podem beirar o absurdo, mas é uma linha muito bem traçada nos atos dos personagens com primeiro conto onde o pai leva o filho para ação, ensinando-o ao crime, Não podemos dizer que é um conto absurdo, pois, é totalmente verossímil dentro de nosso contexto social. Fale um pouco sobre esta questão?

CRISTIANO GUALDA:  Quando a construção das personagens é bem feita, viajar com eles pelas circunstâncias mais absurdas torna-se o grande prazer da leitura. Nenhuma realidade extraordinária consegue se sustentar se não estivermos preocupados com o destino das personagens. Por isso é importante para mim equilibrar os aspectos fantásticos das histórias com personagens realistas, humanas, com as quais possamos nos identificar. É isto o que torna possível esta linha sutil de que você fala, entre o normal e o absurdo.

 

FERNANDO ANDRADE:  Alguns contos como Davi estudam a questão da ética dentro da estrutura social de desigualdade social. Esta dinâmica dentro de uma relação de classes, é muito bem desenhada por você no conto. Temos três faces dos personagens e suas dialéticas dentro de uma narrativa que mistura as tensões de cada ser social dentro do seu contexto. Me fala destas relações?

CRISTIANO GUALDA:  Obrigado por destacar esse aspecto do conto. Ainda que seja um livro de contos fantásticos, de ficção especulativa, me preocupo em falar da nossa realidade, com suas belezas e tragédias, como por exemplo no caso da queda da ciclovia, que faz parte do conto “Bocha”. “Davi” é uma história que, de certa maneira, reflete o desespero da classe média, que vem sendo esmagada ao longo de décadas no Brasil. Os exemplos extremos do cara que aceita o trabalho de estátua particular de um mafioso e do escalador que resolve roubar para financiar a cirurgia da filha ilustram esse cenário devastador, essa sensação de estrangulamento, de não haver saída. E há também a discussão sobre arte, a importância que damos a ela e o papel que ela desempenha em nossas vidas.
 
FERNANDO ANDRADE:  Há muitas referências à TV e ao cinema nas suas narrativas. Como cruzou elas para construir cada conto?

CRISTIANO GUALDA:  Cinema e TV são partes essenciais da minha formação. Mais do que um desejo de conectar as histórias com a cultura pop, as referências são praticamente inevitáveis para mim, surgem espontaneamente quando estou desenhando os contos na cabeça, de acordo com o tema e as características de cada um. Pode ser um desenho do Batman, uma menção ao “De volta para o futuro” ou uma alusão ao Schwarzenegger em “Conan, o Bárbaro”, as séries, filmes e livros que eu amo sempre dão um jeito de se meter no meio

 

FERNANDO ANDRADE:  A cultura no conto do frescobol é relacionada por você com certas referências gringas, que de certa forma adquirem uma certa leveza paródica sobre a cultura do divertimento.  Queria que você me falasse da interseção gringa em alguns dos contos, indo do super herói ao anti-herói em Davi.

CRISTIANO GUALDA:  Eu cresci vendo filmes americanos, e mais tarde abri o leque e passei a ir ao cinema (especialmente durante festivais) assistindo a tudo o que passava pela frente. Éramos eu e mais dois náufragos numa sessão de 10:30h da manhã de um filme paquistanês, para depois emendar com um coreano e um polonês. Isso sem dúvida abriu muito a minha cabeça e agora, com o streaming, temos essa avalanche de escolhas, essa possibilidade infinita de consumir conteúdo do mundo inteiro. Me interessa muito esse cruzamento de culturas, e a velocidade com que essas mudanças estão ocorrendo. O que não significa dizer que não haja aspectos negativos. A galeria secreta de arte do mafioso em “Davi” vem daí, da mistura entre o que é maravilhoso e terrível na ideia de estrangeiro. A referência paródica no final de “Frescobol” também,  surge desse perigo/medo da invasão, da destruição iminente vinda de fora. Mas a pluralidade cultural me fascina. Creio que é por isso que nos meus contos há essa variedade toda, mas a âncora está sempre fixa no Brasil, mais especificamente no Rio de Janeiro.
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