Fernando Andrade entrevista a poeta Tina Zani

Tina Zani 1 - Fernando Andrade entrevista a poeta Tina Zani

 
 
 
 
 

FERNANDO ANDRADE: Os sentidos do corpo (os 5) podem tatear os sentidos da linguagem quando tudo está no vão? No entre lugar? E o pensamento seria um vão entre o mundo e o corpo? Como fica sua poética dentro disso?

TINA ZANI: vão é um apalpar o entorno – o tempo, o espaço, o escuro, o silêncio, o corpo – para conhecer através dos sentidos. o vão nasce pelas mãos, os pés e a pele. é totalmente físico e tateável. por outro lado, vão é também um apalpar o texto, trazer o texto para o corpo, para o cheiro, para a escuta, digeri-lo, transformá-lo.

vejo vão como o fruto de uma investigação, que não se encerra em vão, cujo objeto é essa substância lubrificante, um tipo de colágeno que ocupa os espaços de dentro do corpo e os espaços entre corpos; um colágeno que também circunda o texto e facilita seus movimentos, sejam eles internos, externos ou transcendentes, em uma dimensão de tempo não linear que modifica, isto é, des-forma e re-forma pelo menos três corpos, o de quem escreveu, o do que foi escrito, o de quem leu.

no vão os sentidos se aguçam porque o vão parece vazio e silenciosos.

olhemos para a experiência de John Cage com a câmara anecoica, por exemplo, em que o silêncio é tal que é possível a seus ouvidos captar os sons de seu corpo vivo, vivendo. olhemos, também, para a performance de Cage, uma performance-vão, em que nada acontece, mas tudo acontece, porque quando entramos no vão acessamos essa dimensão plasmática, que mostra outras possibilidades.

FERNANDO ANDRADE: Como criar no escuro uma imagem do poema? Seria uma potencialidade recursiva para o poema, para sua imaginação, ou criação? O corpo quando inventa a escuridão imagina terrores infantis, fantasias do medo e do recalque. São nestas zonas que as passagens sonoras dos seus poemas podem se fazer tantas melodias?

TINA ZANI: o que proponho com vão é uma experiência poética que tem implícito um aceno para chegar:mais próximo do texto. vão está aí para ser penetrado. proponho um legente (um leitor-agente), não-passivo diante do texto. o legente se responsabiliza, faz-se escrevente e cria seu próprio vão quando interage com o texto que eu, por minha vez, criei e escrevi. ele se abre à experiência do livropoesia – que é um conjunto; seu conteúdo ocorre simultaneamente e em relação ou cooperação com todos os outros fatores: ações, inter-ações, alter-ações etc. porque foi concebido como uma experiência, isto é, um processo para experimentar, é difícil fragmentá-lo em unidades-poemas.

olhar o vão pelo viés da escuridão e do recalque é uma possibilidade. há outras frestas, no entanto. eu, por exemplo, não diria que o corpo inventa a escuridão. na verdade, eu não falaria em termos de escuridão, mas de escuros, que são pontuais.

assim, também, quando falamos de corpo, é preciso pensar a que corpo nos referimos. ao corpo do poeta, ao corpo do texto, ao seu corpo, Fernando, que segurou o vão, pousou os olhos nele, interagiu com ele, ou a todos esses corpos reunidos?

o corpo – seja o do poeta, o do texto ou o do legente – tem lugares pouco claros, com pouca luz e alguma monotonia, lugares cheios de potência, vãos. como não tocar esses escuros com a poesia? como não desabrochar esses espaços, essas frestas, esses ocos e silêncios, se é nesses lugares que a poesia pode fluir imantada, magnetizada, fecunda?

O corpo, mesmo na ausência do som, se faz linha sonora melódica. Como os braços também são partes pincéis e canetas que desenham e esquadrinham as paisagens do real- onírico. E seu livro procura esta expansão espacial pelo outro-lugar, também?

cada experiência do vão é única. assim, essa leitura pelo viés da expansão para o outro-lugar é perfeitamente válida.

entretanto, há no vão o interesse em trazer para o corpo (humano e textual), mais do que a procura por expansão. vão tateia as brechas, enfia o dedo nos buracos, empenha-se em apurar o escuro. é dentro do vão que a investigação acontece, experimentando. lá a percepção se alarga, porque lá há espaço, tempo, silêncio, escuro e corpo. como um buraco negro no cosmos, é uma região do espaço-tempo com campo gravitacional e um horizonte de eventos que tem efeito sobre o destino e as circunstâncias do que o penetra.

FERNANDO ANDRADE: Seu livro poderia ser uma artesania política no sentido da não definição, da não classificação do que nomeia, rotula, segmenta, deturpa?

TINA ZANI: se o vão vai no sentido da não definição, essa é uma questão que só a própria experiência do vão pode responder. é preciso abrir o vão para ver aonde ele te leva.

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