Entrevista com Luiz Fernando Brandão

Luiz Fernando Brandão 2 - Entrevista com Luiz Fernando Brandão

 

Entrevista com Luiz Fernando Brandão, por Fernando Sousa Andrade

 

Sobre o autor – O carioca Luiz Fernando Brandão é jornalista, escritor e tradutor. Em paralelo à carreira como executivo de comunicação empresarial, traduziu para o português obras de autores como Edgar Allan Poe, Jack London, Vladimir Nabokov e Tom Wolfe. É autor de Triptik, uma viagem na terra dos gurus e outras bandas (Confraria do Vento, 2017), seu livro de estreia, e tem diversos artigos publicados sobre comunicação. Em 1976, graduou-se instrutor no The Yoga Institute, em Mumbai, na Índia

 
 
 

Fernando Andrade: Seu romance me pareceu muito desenhado por aquela estrutura do cinema, onde vários plots se conectam para formar uma espécie de mosaico multicultural da vida de hoje no mundo. Mas o mais interessante é que a vida contemporânea também se estabelece por múltiplas camadas de mensagens, sentidos, enigmas. O mundo financeiro, corporativo, cibernético – parece que existem certas conexões entre suas engrenagens. Fale disso.

Luiz Fernando Brandão:  De fato, a forma como tramei minha história em torno de três protagonistas reflete a visão – que, me parece, você captou muito bem – de um mundo onde, por força de mecanismos complexos ainda não completamente entendidos, todos os seres vivos estão de alguma forma conectados, numa relação de interdependência. Segundo a sabedoria védica, que os avanços do conhecimento revelam ser cada vez mais atual, o mundo material é regido pela causalidade: nada, absolutamente nada existe nem se manifesta sem antecedentes nem consequências, num incessante processo de retroalimentação. Daí minha insistência na relativa fragilidade de todo julgamento humano: seja pela limitação natural do nosso tempo de vida, que nos impede de conhecer os efeitos futuros de muitas de nossas escolhas; seja pela impossibilidade de compreendermos, de forma suficientemente clara, as leis sutis que movem a vida, deveríamos ser bem mais cuidadosos com as nossas certezas e, acima de tudo, com a forma como julgamos a nós mesmos e aos que nos rodeiam. Como meu mestre no Yoga costumava dizer, faríamos melhor em deixar para Deus o julgamento acerca de nós próprios.

Fernando Andrade: Queria que você me falasse de certa paródia, de um determinado alinhamento de religiões místicas com o mundo globalizado, onde a grana, a circulação de informação e o prestígio cultural parecem trazer certa ambivalência nessas práticas de previsões sobre o curso dos homens e do mundo. Comente.

Luiz Fernando Brandão: O desejo de antever o futuro acompanha a história humana desde as sociedades primitivas. É natural querermos conhecer e nos preparar para o que a vida nos reserva, de bom ou de mau. Ciências ou artes (à escolha do leitor) como a astrologia, a numerologia, a quiromancia e a taromancia, entre diversas outras, há muito influenciam em escolhas que afetam as vidas de muitos, para o bem ou para o mal. Ainda hoje, líderes detentores de imenso poder político, militar ou financeiro não abrem mão de uma consulta ao “guru” – que pode ser um mentor espiritual, um astrólogo, um cartomante, um vidente – antes de tomarem decisões cruciais. Em nossos dias, os fantásticos progressos na biotecnologia vêm introduzindo formas, por assim dizer, mais substantivas de antever e interferir no chamado rumo natural das coisas, como é o caso da manipulação genética pré-natal a fim de evitar certas doenças ou assegurar ao feto atributos desejáveis. Enfim, se considerarmos a capacidade exponencial dos algoritmos e das redes sociais em moldar expressões individuais e coletivas, no mundo virtual, não seria exagero imaginar um presente construído inteiramente “ao gosto do freguês”, embora em linha, como não poderia deixar de ser, com os desígnios dos que podem mais, os senhores do universo.

Fernando Andrade: No livro, há um interessante embate entre uma grande empresa interessada nos seus negócios sobre alimentos e questões agrárias e o crescimento de uma forte consciência ambiental, de proteção dos ecossistemas. E você faz o desenho perfeito dessa relação política, mas sem caricaturar os seus personagens, de forma a deixá-los bem reais e verossímeis. Como foi pautar essa dicotomia entre interesses corporativos e uma consciência coletiva dos temas públicos?

Luiz Fernando Brandão: Continuo a acreditar no papel transformador das empresas como agentes de inovação, crescimento econômico e bem estar social; a história mostra que a coletividade ganha na medida em que exista um ambiente propício para que elas possam exercer esse potencial. Ao mesmo tempo, com a evolução do chamado capitalismo financeiro, aumentou absurdamente a concentração de poder em mãos de alguns poucos, e estes não escondem de ninguém que sua prioridade absoluta é o ganho, o retorno sobre o investimento. Como dizem os banqueiros, dinheiro não atura desaforo. Ora, ao prevalecerem nas escolhas do topo os interesses de alguns poucos, é difícil imaginar que sejam devidamente considerados os da coletividade, tanto locais quanto planetários.
Diante dos eventos trágicos recém-ocorridos em áreas de mineração no estado de Minas Gerais, até hoje mal explicados, sem a devida responsabilização dos culpados nem uma indenização minimamente adequada das comunidades afetadas, as empresas que operam com alto risco deveriam ser muito mais vigiadas e cobradas pelos contribuintes, até porque os legisladores e os órgãos reguladores têm deixado muito a desejar no exercício do seu papel. Em Para o bem ou para o mal (Gryphus), trato dos bastidores fictícios e igualmente nebulosos de outra atividade de altíssimo impacto potencial para a saúde humana e do ambiente, a indústria de produtos agroquímicos. Muito embora se deva a ela, em boa medida, o retumbante sucesso da nossa produção agrícola e os inegáveis benefícios econômicos e sociais decorrentes desse desempenho, é preciso marcar em cima pois, parafraseando o ditado popular, o ganho (no original, a pressa) passa e a merda fica…

Fernando Andrade: O corpo biológico parece totalmente imerso no corpo social. Conceitos como bondade e humanismo foram deformados por questões ideológicas, onde os grupos se digladiam entrincheirados em suas posições. Os extremismos implodiram a humanidade e suas questões, até no plano individual. O seu livro parece lançar um aviso sobre esse movimento. Fale um pouco disso.

Luiz Fernando Brandão: Parece-me que estamos caminhando, agora a passos largos, rumo a uma forma inusitada, porque em certo sentido artificial, de consciência planetária – uma consciência nascida não da expansão das consciências individuais, mas imposta, a partir de um conjunto de narrativas, com o alegado propósito de assegurar aos sapiens a manutenção da vida na Terra. Apesar do cenário distópico que parece configurar-se adiante, me conforta acreditar que nossa espécie prosseguirá em sua formidável trajetória até onde estiver destinada, seja para algum tipo de transcendência ainda não suficientemente esclarecida, seja por um acidente de percurso (o tal meteoro). Mais sensato, quero crer, é cuidarmos da melhor forma possível de nossos jardins – ou seja, contribuir no que estiver ao nosso alcance, agora, conscientes do nosso legado para as próximas gerações – e deixarmos para o criador do enredo o desfecho da história.

Por falar em desfecho da história, aproveito para mencionar que já estou trabalhando no meu próximo livro – o terceiro volume de uma trilogia iniciada com Triptik, uma viagem na terra dos gurus e outras bandas (Confraria do Vento). De novo, são três histórias que se mesclam, sempre por obra do acaso, uma delas narrada em 2091, na primeira pessoa, por um sujeito de 143 anos…

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This Article Has 1 Comment
  1. George Patiño Reply

    Parabéns pela entrevista, muito densa. E o livro é ótimo!

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