Fernando Andrade entrevista o poeta Roland Cirilo

Roland Cirilo - Fernando Andrade entrevista o poeta Roland Cirilo

 

 

 

FERNANDO ANDRADE. A folha também é uma medição do tempo. Talvez não tanto sua cronologia, mas sua experiência na pele, entre o verde e o amarelo, que gradação se tem? Sua poética parece também um belo experimento sobre o tempo, das relações políticas até as estéticas sobre o que matiza a linguagem: som, ritmo, entonação, sentidos. Fale um pouco disso.

ROLAND CIRILO. A folha segue seu ciclo, mudando a cor de sua pele, amadurecendo, e, depois de amarela – ou mesmo ainda verde – cai pela ação dos ventos, podendo ficar suspensa “num solitário fio teia no meio da mata”. Ao mesmo tempo que a folha, nos meus poemas, é tanto essa, a do fio de teia, como aquela que pode ser vista nas páginas dos cordéis, penduradas nas cordas. Assim é nossa vida, um vento que passa pela teia de nossas histórias, um poema pendurado em um fio tênue exposto nas feiras. Esse pensamento influencia muito minha poética. Nós somos por demais efêmeros, mas nos acreditamos duradouros, até eternos, e vivemos de forma egoísta e inconsequente por conta disso, acumulando o que podemos (e não podemos), como se não houvesse o tempo a nos mostrar diariamente nossa finitude e a nos dizer da necessidade de compartilharmos e sermos mais responsáveis com a nossa história e a nossa humanidade. Nesse sentido, as relações políticas, que norteiam nossa existência aqui, são, a meu ver, de extrema importância, e me levam a uma constante reflexão, que se reflete em meus poemas. Dessa forma, a poesia é, para mim, simultaneamente, uma forma de luta e de baluarte contra as desigualdades do mundo, que são absurdas e inacreditáveis. Com a poesia eu me armo e me protejo, tentando descortinar um pouco mais a miséria de nossa existência, nessa nossa “comédia humana”.
Procuro fazer isso com as ferramentas que tenho na linguagem, que são, entre outras, o som, o ritmo, a entonação, os sentidos, como você disse. Eu acho que a poesia deve muito a tais ferramentas, algo que tem se perdido um pouco (ou um muito) na poesia contemporânea, levando inevitavelmente a uma desqualificação do trabalho do poeta.
Alguns acreditam que fazer poemas é compor algumas frases e dar “enter”, dividindo o texto em “versos”. Confesso que sou um pouco avesso a isso, antiquado até. Gosto do verso livre, mas não se deve confundir liberdade com simplificação ao extremo, ao ponto de se deixar o verso amorfo e sem vida, pois poesia não é só busca de sentidos. Acredito que a poesia exige trabalho, e muito trabalho. Há poemas que levei anos construindo, lapidando. A poesia se torna mais interessante e rica quando tem um ritmo, ou sonoridades que venham a lhe agregar um brilho diferente, ou a capacidade de criar imagens, como em um quadro, seja ele abstrato ou naturalista. São esses elementos (e outros) que possibilitam a entoação do canto, acompanhado da lira.

FERNANDO ANDRADE. Aquilo que une, liga, acordes entre o dedo e a laringe, também distende, rompe. A corda do violão será a mesma que usamos para amarrações de sentidos? A linha, o fio, a tessitura do labirinto nos parece que desemboca em poesia, escrita, linguagem. Estes nervos, ao que nos parece, fazem parte de sua identidade escrita. Comente.

ROLAND CIRILO. A segunda parte do meu livro de poemas Diálogos de Folha & Corda é mais dedicada à reflexão sobre o sentido da vida, tendo, por isso, uma característica mais filosófica. E a vida é esse fio, a meu ver, um fio sobre o qual nos equilibramos, uma linha tênue que nos divide entre a lucidez e loucura, entre a liberdade e a prisão ao mundo em que vivemos, entre sonho e realidade, entre a arte e a aridez do mundo. Nesse jogo da vida, somos como bolinhas de pingue-pongue nas mãos dos nossos desejos, que nos arremessam de um lado para o outro da corda, conforme os caminhos do ego. Estamos sempre buscando completarmo-nos com algo que nos falta, desesperadamente, e que não sabemos exatamente o que é. E nunca estamos satisfeitos com nada. Sempre pensamos que ao conseguir algo vamos nos satisfazer, mas eis que, ao conseguir, a satisfação dura um pequeno intervalo de tempo e partimos para uma nova busca, manipulados pelo desejo.
Minha poesia procura refletir sobre a “tessitura desse labirinto” em que nos encontramos.

FERNANDO ANDRADE. Sua poética exala um senso crítico sobre a realidade dos eventos, dos fatos, das relações. Essa síntese acontece em que momento da sua escrita?

ROLAND CIRILO. O pensamento crítico é algo que me fascina há muitos anos. Eu vejo o ser humano como uma espécie extremamente centrada no ego e na satisfação de suas próprias necessidades, que incluem, principalmente, o sentir-se superior em relação ao outro. Não somos uma espécie que compartilha, mas uma espécie que divide, que quer acumular para si, bens, amigos, transmitir uma imagem positiva de si mesmo, como os símios, etc. Para satisfazer tais necessidades, criam-se as relações de poder dentro dos grupos sociais ou, em uma escala maior, entre estes. Durante muito tempo minha escrita foi voltada para aspectos mais ligados às emoções e aos sentimentos, algo que está bastante presente na primeira parte do meu livro e que se distancia, em certo sentido, dessa crítica. Porém, a partir de 2019, tenho sentido a necessidade de usar a minha escrita para refletir sobre a sociedade em que vivemos, sobre a condição humana. Isso não significa deixar de lado outras facetas da minha poesia, mas arriscar minha escrita por outros caminhos. Eu procuro trazer a realidade do que vejo à minha volta para os meus poemas.

FERNANDO ANDRADE. A música parece fazer parte do seu imaginário. De seu acorde, letra ou verso? Canção ou poema? Quais são as similitudes e diferenças entre uma e outra?

ROLAND CIRILO. A música, desde muito cedo, foi um dos pontos mais importantes da minha ligação com a poesia. Na minha adolescência, vivida em Natal, minha cidade, escutei muitos poemas musicados, como Motivo, de Cecília Meireles, gravado pelo Fagner, ou Fanatismo, de Florbela Espanca, e Vaca Estrela e Boi Fubá, de Patativa do Assaré, também com o Fagner.
Além disso, ouvia muitos poetas músicos, como Belchior, Ednardo e Elomar. Depois, passei por uma fase em que ouvia muito hard rock, também na adolescência. Há rocks com letras poéticas, mas eu não tinha um nível tão avançado no inglês para perceber isso à época e acabei me distanciando um pouco da poesia cantada, até que ouvi, na casa de um amigo, Sampa, do Caetano Veloso. Aquilo me reatou o fio com a música brasileira e com a poesia na música. Essa linha musical, para mim, que desemboca na poesia, é algo extraordinário, que remete aos trovadores medievais. A poesia cantada é algo que sempre me fascinou.
Alguns teóricos defendem que a poesia é algo bem distinto da música. Eu, particularmente, não vejo muito essa distinção. Chico e Caetano, entre tantos outros grandes compositores do nosso cancioneiro, demonstram claramente esse vínculo. Basta escutarmos Luz do Sol, do Caetano, para que toda a diferença entre música e poema se vá por terra. Vem da música minha admiração pela métrica, pelo ritmo e pela sonoridade. Pensando nessa dinâmica, criei dois poemas de que gosto muito, um para homenagear o Belchior, que eu acho um artista fantástico, outro para homenagear os poetas do Clube da Esquina, como Fernando Brant e Márcio Borges.

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