Fernando Andrade entrevista o escritor Danilo da Costa-Cobra Leite

Daniel Costa - Fernando Andrade entrevista o escritor Danilo da Costa-Cobra Leite

 

 

 

 

FERNANDO ANDRADE: Talvez este seu livro ultrapasse a fronteira do objeto físico livro. Passe à película onde as imagens se conectam pelos cortes sinestésicos, e pule para a música, criando um efeito sonoro e poético sobre as palavras. Esta não demarcação de gêneros fixos parece sintetizar não só este livro em especial, mas toda sua obra. Fale um pouco disso.

DANILO DA COSTA-COBRA LEITE: Obrigado pela pergunta, Fernando, acho que você tocou num ponto interessante da proposta literária dos meus últimos livros – a conexão entre literatura, música e cinema – a partir da imagem acústica do significante, por vezes, minha escrita se bifurca em associações imagéticas e sonoras. Você tem razão em apontar o eu-lírico (a persona do escritor) como de um compositor nos livros que você analisa – “Quebra-cabeça – nenhuma chuva em vão” e “Epyka”.
Um gesto descrito de certa forma sugere um movimento musical das palavras – lento ou forte ou suave ou veloz – e ao mesmo tempo pode desembocar em colagens de cenas quase-cinematográficas.

FERNANDO ANDRADE: A história vista por você parece ter uma tridimensionalidade impressionante. São painéis culturais e estéticos que criam um certa viagem de transcurso sobre os fatos, mas também, sobre a importância da ficção na história relatada. Como a ficção opera neste livro onde os fatos são tão bem burilados com a invenção?

DANILO DA COSTA-COBRA LEITE: Bem… você é escritor, meu caro, e admiro muito teu estilo ao fundir referências e significados, o que está bem claro – na minha opinião – no belo “A janela é uma tranversalidade do corpo”. Acredito que essa tem sido uma busca minha como escritor. No caso dos livros recentes de prosa, minha preocupação com a realidade é menos a de lidar com uma amarra, e mais a de lidar com possibilidades e verossimilhanças. O desejo nesses livros de prosa, especialmente no “Epyka” é mostrar como a vida de nossos antepassados é complexa, como os impasses morais e as escolhas dos indivíduos podem criar ilusão, liberdade, injustiça e justiça. Temos o péssimo hábito de subestimar os antigos, pensar que toda a complexidade de suas vidas estava reduzida à obtenção dos meios de subsistência. Quando começarmos a enxergar a riqueza da vida deles – e notarmos humildemente que nossas próprias existências não são nem mais nem menos interessantes – olharemos para o passado com mais avidez.
Eu sinto essa fome de ver e reconstruir a história do passado e – na falta de melhor opção – de inventar um pouco. É muito oportuna tua pergunta, porque um grupo de teatro de Curitiba (o Grupo P.U.T.O. dentro de um projeto da Produtora Pinguim) dramatizou um dos contos de “Epyka”, justamente um conto sobre uma quarentena ocorrida em pleno séc. 16 ou 17, chamado “Medidas Baldadas” (isso para mim é um reconhecimento enorme, queria agradecer ao Grupo novamente): O “Nenhuma chuva em vão” é uma série, “Quebra-cabeça” é um fragmento de tal universo. Nele exporei as consequências da existência de uma máquina do tempo. Nem preciso dizer que é grande minha gana em recontar o passado e enriquecer nossa visão a seu respeito.

 

FERNANDO ANDRADE: Você é muito bom em trabalhar referências à outros textos criando um malha semântica muito cheia de signos e significados. Quais foram as principais referências na escrita deste livro?

DANILO DA COSTA-COBRA LEITE: Obrigado pelo elogio, Fernando, para o “Epyka” minha primeira (anti)referência é “A Muralha” de Dinah Silveira de Queiroz, que tem um personagem mestiço horroroso, que não sabe falar nem português direito. Me peguei pensando “E se eu criar um mestiço que é o inverso disso, um verdadeiro língua-da-terra, que fosse astuto, capaz e com um sentimento de indignação e a energia para fazer justiça naquele séc.16 tão longínquo?”
Pensando desse modo recolhi referências que me ajudaram a fortalecer a ideia e a criar não somente um, mas vários personagens que desafiam nossa concepção sobre a vida dos “brasileiros” do séc.16 e 17 (mas não só “brasileiros”, já que o livro traz “chineses”, “belgas”, “egípcios”). A força de um Pasolini, um Tarantino, um Guimarães Rosa, James Joyce (sempre) perpassam as bases de pesquisa em relação ao estilo.

FERNANDO ANDRADE: Você parece dominar muito bem a arte da palavra no sentido mais gestual do termo. A sua posição na cadeira parece ser a do palco, onde os elementos dramatúrgicos são misturados à cena do diretor e da cenografia. Fale um pouco sobre estas relações.

DANILO DA COSTA-COBRA LEITE:  Antes de começar a resposta, queria agradecer sua leitura atenta, meu caro, mais uma vez e as perguntas sempre tão instigantes e até impactantes. Agradeço todos os profissionais envolvidos na feitura de “Epyka” e de “24 horas-haiku” – a Débora, o editor Fábio, o Lucas e em especial o Nefatalin (que se tornou um parceiro de conversa literária), o Fabiones, um amigo e leitor ultra crítico que ilustrou belissimamente a obra e o André Tietzmann (um amigo já) que me cedeu fotos de pinturas suas para os três livros lançados em 2021. Agradeço o pessoal da Caravana – o Leo Costaneto, a Ytana, os demais da equipe, em especial o Rico Ribeiro, que ilustrou a obra.
Gostei da comparação, acho muito precisa. O trabalho consolidado nos livros que lancei este ano (foram 3: dois pelo selo Cisne edições – além do “Epyka”, o “24 horas-haiku” -e um pela Editora Caravana de BH, “Quebra-cabeça – nenhuma chuva em vão”) tem uma coisa em comum – e talvez seja a única coisa em comum – a observação quase crua da realidade, com seus encantamentos e desencantamentos.
Sim, o escritor nesses livros é um palco – em especial no “Epyka” que dá a impressão de ser desconjuntado, ou descarrilado, o escritor é o palco. O narrador parece não oferecer muitos parâmetros para impedir que algo ocorra ou para canalizar e controlar o desenrolar dos fatos. Bem… as referências que trouxe acima são suficientes para entender como e por que – ao escrever – minha escrita gosta de se exibir como tal, como coisa artificial, como técnica, como estudo.
Eu tenho um (anti)herói dramático, “Richard III” de Shakespeare, que em plena tragédia usa da quebra da quarta parede para narrar a si mesmo e aos demais (por sinal algo que Frank Underwood faz em “House of Cards”).
Será que a tragédia da história de S.Paulo – a pirataria de bandeirantes e de capitalistas filofascistas, a escravidão, a chacina permanente – fica mais pulsante e indignante e será que essa realidade, que o Antônio Cândido considerava uma âncora tolhedora da ficção nacional, será que consigo sensibilizar o leitor, e me distanciar, e subverter as expectativas sem desrespeitar a memória de tantos mortos?
Muito obrigado, amigo!

E que encontremos nossos leitores e que viva a cultura e a literatura!

“Paralithomaquia e outros poemas” (S.Paulo: Patuá, 2015)”
Disponível em: https://www.editorapatua.com.br/produto/222170/paralithomaquia-de-danilo-da-costa-cobra-leite

“Nhe’enga a more quixotesco” (Lisboa/Curitiba: Kotter, 2019)”

Disponível em: https://kotter.com.br/loja/nheenga-a-more-quixotesco

“Quebra-cabeça – nenhuma chuva em vão” (Belo Horizonte: Caravana, 2021)”

Disponível em: https://caravanagrupoeditorial.com.br/produto/quebra-cabeca-nenhuma-chuva-em-vao

“Epyka” (S.Paulo: Cisne, 2021)”

Disponível em: https://mentesabertas.minhalojanouol.com.br/produto/379729/epyka>

“24 horas-haiku” (S.Paulo: Cisne, 2021)”

Disponível em: https://mentesabertas.minhalojanouol.com.br/produto/382591/24h-haiku>

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