A urgência poética de Fotografias para perfis fakes, de Samuel Marinho | por Marcelo Frota

Samuel Marinho 2 - A urgência poética de Fotografias para perfis fakes, de Samuel Marinho | por Marcelo Frota

créditos: editora Penalux

 

 

 

Marcelo Frota | escritor e crítico de literatura

MARCELO FROTA FOTO 2 150x150 - A urgência poética de Fotografias para perfis fakes, de Samuel Marinho | por Marcelo Frota

 

 

O poeta maranhense Samuel Marinho, finalista do Prêmio Jabuti 2020 com seu Poemas de última geração volta a literatura com um livro urgente, inquietante e extremamente atual. Com Fotografias para perfis fakes, lançamento da Editora Penalux (já disponível no site da editora e em outras plataformas), Samuel Marinho parece fechar uma trilogia (voluntária ou involuntária), iniciada com Poemas in outdoors (2018), encorpada com o já mencionado Poemas de última geração (2019), e que neste novo trabalho poético “encera” sua crítica/crônica em versos sobre a superficialidade “profunda” das redes sociais, do imediatismo dos likes, da encenação que são as imagens que circulam pelo twitter, facebook, instagram, entre outros.

Fotografias para perfis fakes exala uma bem-vinda, e acredito, intencional leveza. Uma espécie de canto dos cisnes para algo que pode ser compreendido, estudado, dimensionado, mas não combatido, muito menos desligado. O imediatismo é o novo Deus das massas, é a necessidade de adoração, de exposição, e o mais maligno de tudo, de aceitação. O velho ditado, nadar contra a maré, nunca esteve tão em desuso.
O modismo é a massificação, seja na música, no cinema, e também na literatura. Num tempo em que artistas cantam as mesmas músicas, apenas com rostos e nomes diferentes, filmes viram franquias intermináveis, que entregam mais do mesmo a cada produção e séries literárias como Crepúsculo e 50 tons de cinza se tornam manias entre adolescentes e donas de casa, almejar a originalidade é algo perigoso, improvável, difícil. Como disse Anthony Hopkins no segundo Missão Impossivel: “It’s not mission difficult, it’s mission impossible”.

Não tão impossível assim, e a poesia de Samuel Marinho está em papel e tinta para provar isso. O poema que abre o livro, “ponto de vista” dá o tom do que está por vir: “minha semiótica fotografia/a palavra que escrevo agora/esta que você desliza na tela/mas na leitura não se demora (…)”. A palavra, ou palavras, que estão na tela são as legendas das fotografias? São as explicações que ninguém pediu para um momento congelado no tempo? O resumo de um jantar, a recomendação de uma série de TV, a explicação do porque o céu é azul em um dia de sol? Acredito que tudo isso, e mais uma infinidade de explicações para o que não precisa ser explicado. A droga mais poderosa do novo século não é vendida em papelotes ou saquinhos de cem gramas, é o dedo amigo ou anônimo que pressiona o like/curti/amei/coração ou o que quer que esteja disponível na tela touch.

Em “a casa do preto e branco”, Samuel nos presenteia com uma fina analise de uma cena série Game of Thrones, fenômeno midiático por oito anos e que em sua última temporada, rendeu-se ao absurdo e ao vazio: “cansada de sofrer na pele/por não saber distinguir/verdade de mentiras/arya stark – ao adentrar aquele castelo -/ apenas imaginava/que éramos feitos/de muitas faces”. O que Arya Stark pensaria ao entrar “a seco” em uma rede social e se deparar com milhares e milhares de imagens de desconhecidos que buscam seu lugar ao sol da aceitação? Acredito que “aquele castelo”, pareceria instantaneamente, muito acolhedor. A massificação não está somente nas imagens pessoais nas redes, mas também nas imagens de séries e filmes, que caem em gosto popular. Não gostar de determinado filme, série, celebridade que aparentemente “todo mundo gosta” é o mesmo que declarar uma guerra virtual, com uma enxurrada de mensagens defendendo o conteúdo midiático, e outras, muitas vezes, agredindo aquele que se opõem a massificação de determinado conteúdo.

O poema “her”, confesso, é meu favorito. A síntese impecável de um dos melhores filmes produzidos na última década e um alerta do que pode acontecer há muitos, o crush, a paixão, por um ser virtual. Se ainda não chegamos à tecnologia de Ela (Spike Jonze, 2013), o crush por um amigo virtual, não é algo incomum. Comum, no entanto, é a não correspondência dessa paixão, ou a correspondência por alguns momentos, e depois o silêncio: “meu caro amigo Theodore/ escrevo para te dizer que/- muito antes de Samantha atualizar/pela última vez/aquele sistema operacional – /o futuro já era melancólico (…)”. O futuro é melancólico.

Fotografias para perfis fakes é um daqueles livros que nos instigam a pensar sobre aquilo que nos é cotidiano, e, nos faz olhar para dentro de nós mesmos e avaliarmos aquilo que fazemos automaticamente desde que acordamos, até pouco antes de irmos dormir. Nos faz “ver” a massificação daquilo que fazemos inconscientemente.
Somos o insumo que impulsionam as redes sociais, somos o produto de um tempo em que o virtual, é mais importante que o real. Que o postar, é mais importante do que viver.

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