Fernando Andrade entrevista o escritor Geverson Rodrigues

Geverson Rodrigues - Fernando Andrade entrevista o escritor Geverson Rodrigues

 
 
 
 

FA. O narrador do seu livro parece contar e narrar sempre com certo laconismo que dá em seu relato, uma certa margem ao dúbio, ao contraditório da situação. Como foi desenhar estas lacunas entre seus dois personagens que estão tão próximos mas tão afetivamente distantes?

GR. Foi um processo interessante, acredito inclusive que o embrião do romance seja justamente a investigação deste abismo que separa os dois. A relação entre pai e filho é desde tempos imemoriais marcada pela tensão e isso é um tema que me interessa. A literatura explora esta questão desde a antiguidade, basta lembrarmos de Édipo Rei. Agora, geralmente as narrativas são de combates, demarcação de espaço, disputas. Em certo sentido, Dançando Sobre Escombros trata mais da indiferença desta relação, quase protocolar, que se estabelece entre pai e filho após a morte da mãe, que parecia ser o ventre que sustentava a base daquela casa. Quando não há mais mãe, o que se disputa? O que os une? Foi curioso percorrer essa distância entre os dois.
Quanto ao narrador, ele é realmente contraditório e econômico em seu relato, em parte, porque não entende por completo essa relação, e também porque apesar da vontade de criar ainda mais distância deste pai, sente uma responsabilidade em relação a esta figura. O contraditório nasce justamente do que ele gostaria de fazer e do que não pode fazer.

FA. A sexualidade do narrador aos poucos vai sendo revelada com pinceladas sobre seu cotidiano. A entrada de Antônio parece movimentar a vida dele, porém, como sempre uma distância de sentimentos. O sexo parece algo ritualístico e mecânico entre os dois?. Comente.

GR. Ritualístico me parece uma palavra muito apropriada. A morte da mãe coincide com o nascimento da sexualidade do narrador. São duas forças antagônicas que passam a habitá-lo em um mesmo período. Quando Antônio surge, ele parece amalgamar essas duas coisas, porque se por um lado atende o lado sexual, que aflora, ele também é o responsável indireto pela morte da mãe. Então, há uma entrega com ressalva, permeada por uma culpa que não fica muito esclarecida e, por isso, gravada em sua memória.

FA. O formato em pequenos capítulos como certos livros de contos, dá ao seu livro, uma elasticidade de reflexões sobre tanto a história, quanto aos gêneros que ele possa se conectar. Por que optou por estes fades nos capítulos e o que eles comentam na narrativa?

GR. A relação do narrador com o pai é seca, econômica e intempestiva.Então, me parece que estes fragmentos ajudam a dimensionar a escassez do relacionamento dos dois. Hoje, vejo que os trechos curtos também ajudaram a criar um ritmo mais veloz para a narrativa, desenvolvendo uma certa tensão à medida que são sucessivos cortes se sobrepondo. São estilhaços narrativos da memória e do pensamento, em alguns momentos até devaneios. Há uma proposital falta de unidade, são lacunas que o próprio narrador deixa, porque é incapaz de preencher.

FA. Queria que você comentasse o pai. É alguém que viveu na intensidade prevista? Teve uma mulher que amou, não espera mais nada de sua existência ou tem ainda expectativas com relação ao filho que parece se refletir na especular imagem paterna de forma enviesada? Comente.

GR. O pai não me parece que tenha vivido intensamente. Eu o vejo como alguém metódico, sobrevivendo sem sobressaltos. Alguém com poucas relações (os vizinhos e o porteiro). Ele está à margem da vida do filho e isso parece incomodá-lo, principalmente porque não possui ferramentas para diminuir essa distância entre os dois. Há um fracasso neste papel de pai e uma certa dureza de encarar isso.

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