Fernando Andrade entrevista a escritora Georgina Martins

Georgina Freitas - Fernando Andrade entrevista a escritora Georgina Martins

Editora Patuá

 

 

 

 

FA:  A palavra tem um peso grande no seu romance. Através da linguagem, seus personagens se reconhecem e se curtem, não tanto pelo afeto corporal, mas sim, pelo que é falado através de um discurso. Fale um pouco sobre isso.

GM:  Em primeiro lugar, quero agradecer a leitura sensível e atenta que você fez do meu livro, coisa importante demais para quem escreve. Agora, quanto a pergunta, penso que a palavra deve ter esse peso em toda forma de relação, mas em se tratando de literatura isso é fundamental. Tudo que é vivido, narrado e experienciado em um texto ficcional nos é apresentado via palavra, mesmo quando o contato corporal está presente é a palavra que o nomeia. No caso do meu livro a construção dos personagens Suzana e Dionísio, só poderia se dar pela palavra, pelo discurso, pois Suzana enfatiza a impossibilidade de contato corporal porque Dionísio está morto, logo é ela quem conta, quem narra, quem tem o domínio da palavra. Além disso, Suzana é seduzida pela palavra, pelo discurso.

FA:  O personagem masculino Dionísio vê o desejo como algo que se domina, que se usurpa. A posse é aqui uma forma de apagamento do outro, por que não se reconhece no que o outro tem de mais físico que é o corpo enquanto forma de existir plenamente. Há aqui uma forma de narcisismo muito calcado na sexualidade. E o personagem se recusa à análise clínica de um tratamento. Comente um pouco.

GM: Para Dionísio o que interessava era a posse mesmo do corpo de Suzana, a dominação, como você bem disse, uma forma perversa de amar, de construir relações, e de até mesmo se transformar no outro.

FA:  Há certo idealismo da Suzana com o conhecimento sobre arte do Dionísio. Como se parte da relação fosse prismada pela vocação do belo, ao estético do conhecimento. Por quê?

GM: Porque para ela o objeto de desejo é o intelecto. Toda sua admiração pelo marido vinha da sua idealização do quanto ele era genial, e por isso não era feito para o cotidiano. Pensamento que a fez sustentar a relação durante tanto tempo, que a fez submeter-se àquela violência sutil e desestabilizadora. Como se ter ao seu lado um homem genial fosse passaporte para a felicidade eterna.

FA: Há um elemento cultural sobre a tradição, que é muito usada em certos países como a Itália. Onde o machismo também é um forte componente masculino. O elemento do macarrão traz toda uma certa simbologia sobre como nos atemos aos momentos da vida cotidiana íntima. Fale sobre isso.

GM: Muito boa essa relação que você faz entre o machismo de parte dos italianos e o ato de cozinhar macarrão, eu não tinha pensado nisso, porque, até encerrar a escrita do livro, eu não via o personagem Dionísio como um machista, mas sim como um homem bipolar, cheio de toques, obsessivo, que precisava de tratamento. No entanto, depois do ponto final pude compreender que para além de tudo isso, eu construíra um personagem machista. E o ato de quebrar o macarrão foi libertador. E o macarrão funciona mesmo como índice do cotidiano, da intimidade e da administração da vida a dois.

Please follow and like us:
This Article Has 1 Comment
  1. Eliana Bueno Ribeiro Reply

    O romance de Georgina Martins ao pode ser otimo! Expectativa!

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Social media & sharing icons powered by UltimatelySocial