Fernando Andrade entrevista a escritora Mara Gatti

Mara Gatti Fragmentos - Fernando Andrade entrevista  a escritora Mara Gatti

 

 

 

 

 

FERNANDO ANDRADE:  Teu livro tem uma relação com a autoficção, mas para mim, ele vai muito além do gênero, quando mistura invenção, biografia, várias vozes narrativas. Seria mais um multi-romance abordando a ousadia da forma para compreender o conteúdo. O que você acha?

MARA GATTI: Quando penso na escrita de um romance, me vem à cabeça os contadores de histórias, de causos, que lançam mão de todos os recursos (entonação de vozes, sons, expressões faciais, etc.) para prender o ouvinte.
Acho que cada história narrada em um romance necessita também dessa sensibilidade do autor, para que recorra ao que está à mão para que o conteúdo seja explorado facilitando a compreensão do leitor.
Em “Fragmentos”, senti essa necessidade de expandir um pouquinho a auto ficção, o conteúdo exigiu, fui impelida pela história que ia se construindo a aprofundar e a dar potências às vozes que se tocavam e que deviam conduzir o leitor também na sua imaginação sobre os aspectos ficcionais.
A escrita com a interação de mais vozes narrativas traz um atravessamento no próprio processo, criando camadas de relatos e enredos, e ainda a multiplicidade de vozes dá essa forma, essa ideia de texto fragmentado.

FERNANDO ANDRADE:  Queria que você falasse um pouco das vozes narrativas. Como foi criar este efeito de polissemia quando existem os narradores entre primeira e terceira pessoa. Como era na hora da escrita situá-los nos seus lugares?

MARA GATTI: Essas vozes narrativas foram pensadas com antecedência à escrita, quando concebi a ideia fundadora do romance, ela foi assim imaginada. Ao narrador em terceira pessoa cabia narrar fatos importantes, porém sem muita intensidade emocional para a protagonista.
Ao narrador em primeira pessoa cabia a voz que viria das entranhas da protagonista, carregada de proximidade, de dores, amores, afetos, descobertas, vitórias, enfim seria a voz próxima que contrastaria com a voz mais distante do narrador em terceira pessoa.
Essa multiplicidade de vozes, aqui entendida não apenas como a narrativa em primeira e terceira pessoa, mas acrescida dos textos e desenhos que a protagonista vai deixando ver aos poucos, como uma revelação de pequenas camadas do enredo e de seu processo de descoberta e redescoberta, seu desnudamento ao leitor.
Essa pluralidade de falas presentes no livro trouxe uma dose extra de atenção ao próprio ato da escrita, não apenas na questão prática da escolha de qual voz (narradores, textos, imagens) traria uma informação ao leitor, mas o porquê da escolha para que tal voz (pensada na importância, na intensidade) trouxesse essa informação ao leitor.

FERNANDO ANDRADE:  O processo terapêutico tem uma importância grande no seu livro. Como foi juntar uma parte da ficção real com o relato das seções de análise. Para mim, elas criaram um certo dinamismo na condução do enredo. Fale disso.

MARA GATTI: Acho que aqui a questão da auto ficção toma corpo e o livro ganha uma dualidade, o desejo em escrevê-lo deu uma guinada nas minhas próprias sessões de terapia, ao mesmo tempo que o processo de escrita, a finalização do projeto, a edição, a publicação próxima e a possibilidade de falar sobre o romance têm um valor terapêutico importante…
No decorrer da escrita, as minhas sessões foram fundamentais na construção da narrativa. Trago para o livro a noção de interação, a trajetória, a troca terapêutica, necessária para o crescimento pessoal.
Isso não é ficção, a minha trajetória terapêutica foi, ou melhor tem sido assim, pois no momento faço psicanálise, e é uma busca constante em entender e superar questões do passado para me apropriar cada vez mais de mim, o eu do presente, entender meus desejos atuais, como se eles estivessem sendo depurados dos desejos do passado.
E vejo também esse crescimento pessoal na Sarah, já que vai ao longo do livro se desprendendo da menininha desprotegida e se tornando uma mulher determinada com vontades. É um crescimento pessoal tremendo!

FERNANDO ANDRADE:  O efeito de fragmentação é nítido e notável no estilo do livro. Como foi a escrita para se encaixar neste efeito? Houve algum tipo de edição? Quando você tenta não encaixar tudo nas suas partes e deixar o livro com certas aberturas como um grande quebra-cabeça. Comente.

MARA GATTI: Talvez uma edição mental. Não, o livro não passou por uma edição voltada para essa questão, ele foi escrito de um único fôlego, e depois como em qualquer outro processo criativo, acredito, foi retomado, primeiro com minha própria leitura e depois após leitura de outros. Essas retomadas foram essenciais para o processo de elaboração do livro.
Acho que a fragmentação se dá pela não linearidade do texto, pelas vozes narrativas e pelos textos e desenhos que a protagonista produziu em determinados momentos de sua trajetória terapêutica e que foram incorporados entremeando a narrativa.
Acredito que isto se dá já no início, quando a protagonista põe sobre a cama seus fragmentos, acho que este era o caminho para o livro, não consegui e ainda não consigo concebê-lo de outra forma, sem as aberturas, sem as fraturas que o levam para esse quebra cabeça.

FERNANDO ANDRADE:  A dor é um elemento que não é negativado por você. Apesar de tudo há uma empatia com a experiência traumática. No sentido de poder fazer as anamneses depois do longo período de angústia. O que você acha?

MARA GATTI: Acho que não devemos romantizar a dor. Não deveríamos passar por ela para evoluirmos, mas se ela ocorreu em detrimento da vontade de quem a vivenciou, que ela sirva para alguma coisa, que seja o crescimento pessoal, se as chamas forem inevitáveis então que a fênix renasça.
O que quero dizer é que a dor ou um trauma, na minha concepção, não devem ser perpetuados, se foram inevitáveis, por qualquer motivo que seja, eu acredito que devam ser ressignificados, superados, não no sentido de serem esquecidos, acho que isso não é possível, mas que não paralisem, e sim impulsionem.

FERNANDO ANDRADE:  Como está a divulgação do livro? Pretende fazer algum tipo de lançamento?

MARA GATTI: A divulgação, está ocorrendo pelas mídias sociais, principalmente Facebook e Instagram, estão com um alcance interessante. Farei uma live de lançamento no dia 08/10 as 19h pela Editora Penalux, com mediação do José Fontenele (jornalista, escritor e produtor cultural) e como minha convidada a Viviane Mendonça (psicóloga, professora doutora na UFSCar, credenciada no programa de Pós graduação em Estudos da Condição Humana)

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This Article Has 1 Comment
  1. Tânia M C FREITAS Reply

    Excelente entrevista Clareza nas perguntas, respostas explicativas e profundas.

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