Fernando Andrade entrevista o escritor Eduardo Sabino

Eduardo Sabino Limbo - Fernando Andrade entrevista o escritor Eduardo Sabino

 
 
 
 

FERNANDO ANDRADE:  Você tem um talento e tanto para o olhar sobre o cotidiano e desdobrá-lo em nuances que uma ora ficam com um humor sutil, ora tristes com certa melancolia poética. O cotidiano da vida narrada tem sempre duplas ou triplas faces?

EDUARDO SABINO: Pra começar, obrigado pelas palavras e a observação sobre a minha escrita. Respondendo sua pergunta, acho que sim. Talvez porque a literatura costuma buscar no cotidiano justamente o que, mesmo estando nele, costuma escapar aos olhos. É normal, e às vezes até saudável, a gente se adaptar aos padrões da rotina e atravessar certas coisas dela no automático. Mas literatura é o contrário de automatismo. Então, se a gente olha para o cotidiano, ou qualquer outra coisa com interesse literário, muitas vezes o que buscamos é o inesperado, o detalhe incomum, a estranheza, o inusitado da vida rotineira.

Sobre nuances e mudanças de tom, gosto dos contrários e das oscilações na narrativa, da ironia à franqueza, da melancolia ao cômico, porque essa mudança de temperamento é muito humana e pode ajudar a criar narradores e personagens interessantes. Isso sem contar a linguagem que, para mim, fica mais instigante quando existe alguma variação de tom.

FERNANDO ANDRADE:  A poética nos seus contos tornam seus personagens muito humanos. Como é sua escrita para este desenho tão cheio de humanidade nas ações e perfis das suas criações?

Escrevo e muitos traços dos personagens surgem no decorrer da escrita. Não tenho uma imagem pronta dos perfis antes de escrever. Muitas vezes acontece de pegar como referência alguns modelos humanos durante o meu processo. Pessoas que me lembram o personagem que está nascendo ali. Às vezes familiares, amigos, famosos. Mas nunca é uma tentativa de reproduzi-los. É sempre uma composição em que vou misturando o traço de um, o jeito de outro, personagens de filmes, livros, arquétipos, então a criatura que surge, mesmo que tenha um traço forte que me lembre essa ou aquela pessoa, será sempre outra bem diferente. Mas gosto de pensar essa base de referências, que também depende do modo como observamos as pessoas à nossa volta. Acho importante para dar ao personagem um pouco (sempre será pouco) dessa complexidade humana que você aponta.

FERNANDO ANDRADE: A variedade de temas e estilos dos contos me deixou surpreendido. Como você elenca temas para sua coletânea? Como você inicia eles, por temas, ou por uma imagem?

EDUARDO SABINO: Me interesso por muita coisa no universo temático da vida contemporânea, que é gigantesco. Acho que os temas que consegui trazer para a minha literatura são até poucos perto das possibilidades. O Limbo é uma coletânea que pega um pouco de cada coisa que me interessou em um período de dez anos de escrita, então talvez por isso nele a diversidade temática esteja maior. Nos outros os contos tendem a girar em torno de temas comuns ou próximos. O que posso dizer, porque é difícil explicar porque nos interessamos por certos assuntos, é que o conto é um gênero que combina com o modo como os livros me têm surgido. Costumo escrever em períodos mais concentrados. Geralmente vem primeiro um tema, ocupando a cabeça, se desdobrando em enredos e personagens, daí as ideias vão aparecendo. Como elas aparecem varia muito: uma frase que puxa o resto, um personagem que poderia render uma boa história, a cena inicial, um conflito, uma questão filosófica que gosto de imaginar como poderia ser tratada na ficção. Por aí vai.

Vou anotando, selecionando, testando na escrita o que presta e o que precisa ser maturado.

FERNANDO ANDRADE: Fale um pouco do seu trabalho de editor com a Caos e Letras.

EDUARDO SABINO: A Caos & Letras é uma microeditora que fundei com o amigo e sócio Cristiano Silva Rato em 2019, com sede na Região Metropolitana de BH, em Nova Lima. A gente vem montando um catálogo forte e bonito que varia entre conto, romance e poesia. Publicamos principalmente literatura brasileira contemporânea, mas também temos algumas publicações internacionais de países lusófonos, como o Tesserato, da portuguesa Calí Boreaz, e A Engenharia da Morte, do moçambicano Mélio Tinga.

Na Caos nós estamos, eu e o Cristiano, responsáveis por todas as etapas da produção dos livros, então além de trabalhar com edição e preparação de textos, tenho feito muitas capas. É um trabalho que tem me estimulado bastante: buscar uma representação visual dos textos, um caminho inverso do que faço na escrita.

O que mais posso dizer? A gente vem usando o Catarse como uma espécie de pré-venda e conseguido vender antes das publicações quantidades de livros que nos dão um pouco de segurança nesse período ainda pandêmico e sem lançamentos físicos. Também aproveitamos as campanhas para vender kits com outros livros da editora com frete grátis.
Neste mês, está no ar a campanha do livro Deixa eu te falar da noite, do gaúcho Paulo Roberto Farias, em catarse.me/noite. Para quem quiser visitar a página, saber mais a respeito e conhecer o nosso trabalho, fica o convite. O nosso catálogo completo está no site www.caoseletras.com
Muito obrigado pelo espaço!

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