Fernando Andrade entrevista a escritora Salma Soria

Salma Soria 2021 livro - Fernando Andrade entrevista a escritora Salma Soria

 

 

FERNANDO ANDRADE: A linha, o fio, a costura no seu livro servem para falar tanto da moda, estilo, roupa quanto do fazer literário. E você junta estes dois gêneros: têxteis de forma muito harmoniosa. Como foi esta costura?

SALMA SORIA: Obrigado pelo harmoniosa:) Levei anos para chegar num cenário em comum. Diria que essa foi uma costura muito trabalhosa porque as personagens possuem diversos conflitos internos causados pelo consumo, pela disputa do objeto da última moda e a paixão pelo universo da roupa. A mistura de estilos têxteis e textuais refletem um pouco essas questões.

FERNANDO ANDRADE: A roupa velha é um estilo que pode muito bem ser uma forma de escrita. Quando escrevemos um romance, ou um livro de contos, reescrevemos as camadas de malha e texto. E o uso que fazemos da roupa-escrita que molda o texto e a roupa no corpo da gente ou na página impressa. Fale disso.

SALMA SORIA: Interessante sua análise. A personagem do primeiro conto promete revelar ao pai que ela nunca conheceu, toda a intimidade dela e ao fazer isso, ela percebe que as relações dentro de casa, são totalmente compostas por roupas velhas, cartas que ninguém lerá, hábitos nocivos, clichês baratos. Mesmo ela condenando a estética “feia” alheia, ela se relaciona com as coisas mais banais. A aceitação para ela é que o outro enxergue seu valor interno e por isso, ela insiste em usar tudo velho, nada atual -o que também é uma provocação na dinâmica da moda, onde a próxima tendência sempre vai ser a coisa mais especial, o auge do momento. Acho que com a textualidade, não deve ser diferente. O escritor está sempre lutando com o estilo, com a escrita, com o velho e novo, com o que pode ser bom e o que não pode. São muitas lutas e acordos para que a roupa-texto vista de acordo com a ocasião pretendida.

FERNANDO ANDRADE: Podemos dizer que a roupa da gente pode ser uma estética de ser ou uma forma de expressar comportamentos e estilos?

SALMA SORIA: A roupa me fascina por muitos motivos, mas um deles é bastante complexo e não menos excitante: ela tem a função de cobrir os corpos mas ao mesmo tempo, vender ideias projetadas de corpos. Quer mais ficção do que isso? Não acho que o ser-em-si de uma estética esteja resumida nas roupas, mas o modo como nos vestimos é um vetor muito importante para nos relacionarmos na sociedade, infelizmente.

FERNANDO ANDRADE: Há uma diversidade de formas de narrar no seu livro, mesclando gêneros distintos, para enquadrar a moda na ficção. Por que optou por este formato?

SALMA SORIA: Esse é meu primeiro livro. Me permiti experimentar, brincar com os estilos. Quis trazer modos da textualidade ficcional o mais pertinho possível da roupa e da moda. Por algum motivo que não sei explicar, essas coisas foram separadas da literatura. Moda ainda é um assunto muito condenado ao raso, ao frívolo. Ainda me choca como permitem que esse tipo de pensamento como “roupa é bobagem” chegue aos intelectuais. Tem um monte de questão aí: do machismo que separou a moda como “conversa de mulherzinha”, até uma lógica mercadológica que não permite que as pessoas pensem um pouco mais sobre o que estão vestindo. A escolha da mudança de estilos na relação textualidade e roupa foi uma forma literal de falar disso. É possível falar de roupa e de moda na literatura de ficção.

Please follow and like us:
Be the first to comment

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Social media & sharing icons powered by UltimatelySocial