A leveza, o horror, a ironia e o humor em Estórias da Peste | por Marcelo Frota

Estórias da peste 1024x768 - A leveza, o horror, a ironia e o humor em Estórias da Peste | por  Marcelo Frota

 

 

 

 

Marcelo Frota|escritor

O novo livro de Marcelo R. L. Oliveira, Estórias da Peste (Ed. Penalux, 2021) é um livro de densidades e levezas. A obra foi escrita durante a pandemia da COVID-19, que nos assolou e ainda assola de diversas maneiras. E, se hoje, existe uma certa estabilidade, um certo ar de esperança, com a chegada das vacinas e a retomada de um certo nível de “normalidade”, no começo, e em boa parte do durante, o quadro era o oposto. Do descaso do desgoverno Bolsonaro, as Fake News e um orgulho cego da ignorância como forma de vida, formou-se o insumo das estórias que compõem o livro.

Se existe tensão, como mostrada no conto Amarelo, que inicia o livro, essa tensão nasce do cotidiano, de uma discussão sobre cores e que discorre sobre outros vários tons de vermelho, laranja, amarelo e afins. As cores do dia a dia, que muitas vezes nos passam desapercebidas, se mostra contundente pelo uso da percepção de seus tons e variações. “O que é a cor vinho?”, é uma pergunta que não quer calar, visto a variedade das uvas que o formam.

O conto Amarelo, com sua leveza, abre caminhos para estórias mais densas, que se fazem presentes no filho Aurora, que coincidentemente, ou não, também se inicia com alusão a cores. Neste conto, R L Oliveira nos traz a violência que está na natureza, e revela a maldade velada da “lei do mais forte”. A morte do hipopótamo por leões no Quênia, os peixes que fecundam os óvulos depositados no mesmo espaço de uma espécie predatória na Tanzânia, a vespa que paralisa uma lagarta e nela deposita seus ovos, no Brasil.

A violência da natureza leva o autor a conjecturar: “Coisas assim fizeram muita gente perder a fé em deuses ou, ao menos, na bondade atribuída a alguns. Numa fria analise, para cada maravilha natural encontram-se cinco horrores. Então penso: e horrível, a natureza!”. Tal conjectura, levou-me a refletir no quanto a lógica do autor se faz presente na natureza humana e como nós, como espécie dominante, ou como assim nos denominamos, somos capazes de atos tão atrozes para com nossos semelhantes.

Este é um dos elementos mais poderosos e mágicos da boa literatura, com suas nuances e associações, nos fazer refletir sobre o que nos forma como seres. Aurora é um destes textos que nos fazem pensar “fora da caixa”, justamente por sua aparente simplicidade, ser tão contundente.

Como mencionado acima, Estórias da Peste é uma obra de densidades e levezas, mas também comporta um elegante senso de humor, como no conto Cafeína, uma das estórias mais deliciosas que li em anos. Sem spoilers, o humor neste conto lembra um Woody Allen anárquico do começo da carreira, em obras como O Dorminhoco e Bananas.

Estórias da Peste é um livro para ser apreciado aos poucos, em doses de dois ou três contos, para que a reflexão sobre as entrelinhas de cada conto seja absorvida da forma adequada, com sua leveza, horror, ironia e humor.

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