Três poemas de Felipe Sanna

FELIPE SANNA 819x1024 - Três poemas de Felipe Sanna

FELIPE SANNA – Historiador, poeta e escritor paulistano. Participou de antologias pelas editoras Patuá, Matarazzo e Futurama. Gosta de ouvir Sonic Youth enquanto lê Gógol no metrô.

 
 
 
 
 
A VITÓRIA DOS MEDÍOCRES

Uma miragem passou por mim,
Atirando flechas de fogo
Num coração desarmado.
Um velho clemente assina sua carta de demissão.
Investidores antecipam lápides.
Picaretas sorriem com caixas de gargalhadas socadas no céu da boca.
Anjos desabrigados procuram mães de aluguel.
Subalternos constroem prédios de areia.
Tempestades-escombros soterram palavras doces.
Quem levará a culpa?
O laranjal elevado à enésima potência.
Brasil! Terra nostra! Ou melhor… Cosa Nostra!
Um poeta corre sem fôlego nas escadarias infinitas do tempo.
Lilith canta em Ré bemol:
“Eu tenho a chave do Paraíso!”
Não, eu não acredito mais nisso…

Os beijos de minha mulher
Não são mais felizes
Como antes.
O odor podre toma conta do bairro onde moramos.
Cupecê. Jd. Miriam.
Corpos cadavéricos vagam nus por ruas e avenidas.
Desempregados noiados e catatônicos rolam em calçadas imundas,
Amparados por fiéis vira-latas a acudi-los
Na vala,
No meio-fio,
Na sarjeta.
Empilhadeiras de sonhos rumam para o necrotério.
Pedaços do que foram um dia meu vizinho Valdir,

Minha amiga Jéssica,
E o seu primo Evair.
Todos mutilados para sempre,
Na sarjeta secular da História do Brasil.

 

SEM TÍTULO

Este é um longo canto…
Sim, um canto rouco e grave que se arrasta pelos tempos;
Como uma infinita e dissonante blue note a ecoar
Melancólica e onipresente pelos campos e vales;
A atormentar os ouvidos moucos das multidões,
E levá-las às profundezas,
Às masmorras das almas,
Aos subterrâneos imundos das megalópoles,
E em um delay cacofônico,
Lembrá-las daquilo que querem esquecer.

 

EMBATE NOTURNO

A mulher delimita novos territórios
Enquanto cava uma vala profunda
Dentro de mim.
Ferramentas que talham com selvageria
As marcas caóticas do amanhã…
Unhas e dentes
Manchas efêmeras
Rastros que confluem o vulgar e o sagrado
Na superfície da carne imunda.
Soberana, ela dita o seu ritmo
Às quatro e meia da manhã

Com toda imprudência e insensatez
Que há na lascívia.
Contraponto.
Escorrego em suas pregas
Como um incendiário a requerer novas utopias.
Reacendo labaredas ocultas em seu corpo.
Reproduzo um singelo tributo, espesso
A escorrer liberto
Em seus vãos:
Finito desejo.

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