Marcelo Frota | escritor
O bicho que me falta, de Jander Gomez (Ed. Penalux, 2021) é um livro denso, e uma amostra de sua densidade se dá antes mesmo do começo da leitura da obra. Em sua abertura, o poeta atesta: “Todos os textos desse livro são quebrados./Assim como quem o escreveu./Assim como você que o lerá.” O recado de Jander Gomez ao leitor, neste primeiro momento, prepara o mesmo para as quebras que estão por vir, ao mesmo tempo que dimensiona a odisseia poética que o livro propõe.
Como escreve o poeta Rogério Bernardes em seu belíssimo e preciso prefácio, O bicho que me falta possui elementos fortemente biográficos, podendo ser considerado uma biografia do autor. A obra, como também pude constatar, é movida pela memória, pelas lembranças de uma vida que passou, morreu e ressurgiu das cinzas. É o relato de uma Fênix, a prova que depois de tantas quedas, quebras e mortes, a vida encontra seu caminho, e ressurge ainda mais forte.
Encontrar destaques poéticos em um livro tão interligado, não foi uma tarefa fácil. Procurei então, seguir a intuição e o coração e me deixar levar pela ressonância dos versos. Um dos poemas que mais tocou meu íntimo, por também procurar o silêncio e a escuridão como refúgio, é um poema que está logo no início do livro: “o nada é uma representação do vazio. o vazio é a escuridão./mas o vazio com a escuridão deixa de ser nada./minha escuridão é o nada em mim. é alguma coisa.”.
Peço perdão meu caro poeta, mas trouxe seus versos para mim. Esse vazio sou eu, essa escuridão sou eu. E dessa imersão, renascemos em arte. Temos nas pontas dos dedos os códigos que compõem a arte que tanto amamos.
Abrace poeta, esse vazio e essa escuridão, continue nascendo e morrendo nos limites da página em branco, nos escritos que compomos no ar, na memória que nos forma como seres que sentem e sangram em versos.
Na voz do grande Arnaldo Antunes, li e cantarolei os versos da página 45: “A alma quebrada não pertence ao corpo./Pertence ao mundo. Vagante. Escuro. Espectral./Plástico rachado.” Rogério Bernardes havia comentado sobre a musicalidade da poesia de Jander Gomez, e ela se faz presente nestes versos sombrios. Voz e violão, com um toque de Leonard Cohen, concederiam um dimensionamento ainda maior a estes versos.
Os dois poemas destacados acima, são apenas a ponta do iceberg que compõem O bicho que me falta. O livro precisa ser lido de uma vez só, como se estivéssemos em uma briga do filme Clube da Luta, de David Fincher. A comparação com a obra cinematográfica não é a toa, pois, como o filme de Fincher, o livro de Gomez é uma experiência transgressora, modificante, brutal.
Um dos grandes livros de 2021, e ainda nem estamos na metade do ano.
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