Os estilhaços em ‘Era vida e se quebrou’ | por Marcelo Frota

zVALERIA PAZ - Os estilhaços em 'Era vida e se quebrou' | por Marcelo Frota
 
 
 
 

Marcelo Frota | escritor

Era vida e se quebrou (Ed. Penalux, 2021) é uma obra de profundidades e densidades. A poesia de Valéria Paz, em muitos casos, contém universos em poucas linhas ou estrofes, e, nos convida a reflexão diante de pontos aparentemente banais do cotidiano, que através dos versos da poeta adquirem a contornos complexos e existencialistas.

O medo do sentir, não existe na poesia que compõe as duas partes do livro, De ossos e vidros, que se estende por quase todo livro, e a curta, ainda assim densa segunda parte, Estilhaços, que traz uma série de pequenas narrativas e fecha o livro de forma dramática, deixando no leitor atento ao  conteúdo o desejo de querer mais.

A poesia de Valéria Paz, como dito anteriormente, convida a reflexão e se faz mais forte nesse período pandêmico, em que a dor, a desgraça e a morte andam de mãos dadas com um sentimento de esperança que parece esmorecer a cada dia. Se a esperança é rala, as perdas causadas pelo vírus que colocou um planeta de joelhos,  mostram-se visíveis no decorrer da obra.

O poema Niilismo, um dos primeiros do livro, causa desconforto pela crueza com a qual a morte é tratada. “viver é um vício/deixar de existir/só faz diferença/pra quem fica/talvez nem isso”. Nestes curtos versos, a partida se mostra dura para os que ficam. Se realmente, “viver é um vício”, a não existência torna-se a ruptura, e essa ruptura, nos dias de hoje, tem sido constante em milhares de famílias brasileiras, que estão perdendo aqueles que mais amam para um inimigo invisível, que não escolhe idade, credo, cor ou classe social.

Existir é a palavra de ordem, assim como resistir, e acima dessas duas, sobreviver ao horror da vida ceifada de forma abrupta. Deixar de existir, como afirma a poeta, “só faz diferença/para quem fica”, e quem fica é que sente, sofre, desespera-se. O “talvez nem isso”, do final, expressa uma outra verdade, que muitos que partem, partem anônimos, sem que familiares distantes saibam desse desencarne, por mais cruel que seja a morte de uma pessoa, sempre despertará um sentimento em nós…

Em Pandemia, a única certeza, é que a morte virá: “quem não morrer de covid/vai morrer também/mais dia menos dia/no abate dos bovídeos/ou num surto de covardia”. A essência da finitude, se encontra nos versos do poema. É a afirmação que, estamos destinados a morte desde o momento da concepção.

É possível escolher como se vive? Como se morre? Tais questionamentos vieram com a leitura destes versos. Acredito que possamos escolher, ao menos parte de como vivemos a vida, através de pequenas decisões e escolhas. A morte, não se escolhe, pois, partir deste plano é o que menos ansiamos, seja em uma vida de riquezas profusas ou imensa pobreza. É da natureza do homem se apegar a vida. Encarar a morte com serenidade, seria a palavra-chave, se é que isso é possível.

O partir, o desligar-se, o maquiar-se, o interpretar a si mesmo com máscaras reais ou metafóricas é o que move a segunda parte de Era vida e se quebrou. Narrativas curtas e objetivas, cruéis e necessárias a reflexão do que compõem o cotidiano neste momento em que a morte é lugar comum.

“Este ano não vai lhe dar um poema de presente. Não tem poesia em que caiba tanta dor, tanta saudade. Não tem poesia que a traga de volta. Não tem nada além das entranhas vazias, de duas estranhas vazias, sem poesia. Este ano não tem presente nem futuro. Só passado”.

É tempo de dor, de despedida, de adeus. Neste ano, não há presente nem futuro, só passado. E lembranças.

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