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FERNANDO – O que seria o estilo Desaboios numa poética? O que ele diferiria dos aboios recitados (cantados) pelos cantadores do Nordeste?
PEDRO – O meu trabalho, desenvolvido sob a ótica de um conceito um tanto abstrato, que é o de desaboio, não casa com a formatação de um estilo. Discute valores estéticos e culturais consagrados pela poética popular, traduzida em sextilhas, setilhas, quadras e décimas, por sua vez arrumadas, quase sempre, em versos rimados e metrificados de sete e de dez sílabas.
Tenho minha experiência com estas formas (chamam-se fixas) da poesia, mas não faço nada de improviso, como na tradição dos chamados poetas repentistas violeiros e glosadores. Meu lugar, neste reino, seria entre os poetas de bancada, como os autores de cordel.
Mas o que preciso destacar para responder a esta pergunta, é que os aboios, sejam cantados de cor ou improvisados, trazem, igualmente às demais modalidades de cantoria, uma boa diversidade de temas e de toadas.
No que diferem do meu conceito de desaboio? Vamos ver o que é isso?
Primeiramente, no atacado: minha poesia, embora não se enquadre na caixinha dos panfletos, está sempre carregada do princípio da insubordinação política e estética. Tem seu lado essencialmente gauche.
Segundamente, no varejo, comparada ao aboio: não é toda manifestação deste, mas em muitas situações o aboio se submete a um contexto que, prioritariamente, sustenta os seus poetas: o contexto das festas de vaquejada e similares. Não me refiro ao aboio dos vaqueiros no seu campo de trabalho, mas aos poetas aboiadores (vaqueiros ou não). Ali se encaixa a submissão: os poetas não garantem os seus cachês se não cumprirem um requisito básico: cantar, improvisados ou não, versos apologéticos, homenageando autoridades presentes nos palanques, fazendeiros, chefes políticos e toda a caterva de figuras que sustentam aquelas festas.
Aí nasceu a minha ideia do desaboio, que contesta a submissão da poesia e vale para toda a minha criação literária. Ou seja, o meu canto poético, ainda que seja prosa,será sempre um desaboio. Para acordar a boiada.
FERNANDO – A ironia e o humor seriam algumas das características do estilo? E uma certa referência à cultura popular do nordeste e norte?
PEDRO – A referência à cultura em que a gente nasce e vive será, a meu ver, sempre um ponto de partida, mas nunca encaro como um condicionamento, nem poderia, já que, por princípio, busco atingir a maior carga possível de universalidade em meu trabalho. Fujo da folclorização, da cor local, do chapeudecorismo. O que me toca é a liberdade de pensar e dizer, a expressão do ser humano real, não do ideal, não do estereótipo. Qualquer chapéu cobre minha cabeça.
Quanto ao humor e à ironia, independente do meu gosto e uso pessoal, tanto nos meus textos quanto na conversa cotidiana, são elementos essenciais na produção da poética popular, arrastados ao longo da história de todos os povos.
FERNANDO – A relação de parceria e amizade parece ser importante numa poética onde o poeta não se faz sozinho, nos versos? Fale um pouco sobre isso.
PEDRO – Em primeiro lugar, me parece que tal relação é fundamental e inevitável em qualquer atividade humana. No meu caso, no que se refere à criação literária, a parceria, amizade à parte, não se dá na criação do texto, já que se trata de um trabalho individual e muito silencioso e reservado. Parceiras são todas as pessoas que colaboram com temas e no processo de edição, distribuição, divulgação, profissional ou afetivamente, e ainda, de forma muito especial, as que não atrapalham, de nenhuma forma.
FERNANDO – Como a cultura se entranha nesta forma de poética? Ela é metabolizada ou deglutida meio antropofagicamente?
PEDRO – Não é fácil responder a esta pergunta. Mexe com muitas variantes conceituais não de todo dominadas por escritores, mesmo o que, como eu, estudo sempre um pouco de teoria. Penso que o metabolismo é muito forte, como elemento primordial na criação artística, pois reflete o caráter orgânico do trabalho, o que vale, a meu ver, para qualquer linguagem da arte. O meu trabalho puxa muito pelo caminho antropofágico, no meu entender, porque tenho como fundamental o descentramento, a desarrumação e a recriação da linguagem literária, sob a batuta da paródia.
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