Fernando Andrade entrevista o poeta Andri Carvão

Andri carvão dança do fogo dança da chuva - Fernando Andrade entrevista o poeta Andri Carvão

FERNANDO. Os elementos da natureza parecem ter um simbolismo forte na sua poética. Há penso uma reflexão sobre as coisas e os seres como estado em transformação, e não só rocha dura, mas também a palavra em suas materialidades sobre o sentir o mundo. Como tece estas reflexões nos poemas?

ANDRI. Todo autor mais cedo ou mais tarde acaba descobrindo seus temas; palavras que se repetem, seu vocabulário pessoal, sua voz. A partir da elaboração do meu primeiro livro, Um sol para cada montanha, ao organizar e selecionar cerca de 100 dentre os mais de 400 poemas escritos durante a minha adolescência e início da juventude (de 1993 a 2013), já naquela ocasião me deparei com minhas três preocupações temáticas: a poesia subjetiva ou existencial, a poesia concreta ou visual e a poesia engajada. No segundo livro, Poemas do golpe, composto por poemas escritos de 2016 a 2019, a preocupação social tomou conta da temática, não só da minha poética, mas de modo geral na poesia brasileira. A situação política do Brasil terminou influenciando a produção artística de modo geral. Nesse período eu havia ingressado na faculdade e na universidade pública o ativismo é muito grande. Imbuído pela leitura diária das notícias os poemas foram influenciados por essa conjuntura. Esse processo de trabalho quase jornalístico da poesia, de registrar em versos os principais acontecimentos do país, me fez chegar à exaustão. Dessa forma, no mais recente, Dança do fogo dança da chuva, busquei retomar temas mais voltados à natureza. Como já é tradicional na estrutura dos meus livros, a divisão tripartite, dividi o livro em três partes independentes: na primeira parte que nomeia o livro, poemas que tratam sobre os quatro elementos da natureza e certa ancestralidade do ser humano; na segunda parte, Poética pandêmica, mais uma vez os acontecimentos influenciando a escrita poética, mas ao contrário do tom pesado que se pudesse esperar sobre o tema, procurei relatar o meu isolamento social numa casa do interior junto ao meu núcleo familiar como o novo estilo de vida que adotamos em meio à natureza, numa cidade pacata, entre bichos e crianças; na terceira e última parte, depois de ler um texto sobre os temas universais da poesia, percebi que realmente no passado a morte e o amor dominavam a temática e na poesia contemporânea um traço muito peculiar é a metapoesia, a poesia que fala sobre o fazer poético, a poesia que tece relações sobre ela mesma.

FERNANDO.  Podemos ter numa madeira ardendo em fogo, como ter também certa “paz” na brasa da madeira, onde o interior já se consumiu em sua interioridade. Seus poemas têm esta abrasiva queima por dentro do corpo e sentido?

ANDRI. Espero que sim. Trabalho com dicotomias e contradições. Meus poemas geralmente falam e desdizem. Não acredito em verdades absolutas – “a única verdade absoluta é a dúvida”. A verdade poética transcende a verdade factual, é de outra monta, tem uma mecânica própria, é quase extrassensorial. Embora eu acredite que, após o primeiro lampejo da ideia e o registro cru no papel, durante a sua elaboração o processo de reescrita do texto poético se torna mais racional.

FERNANDO. Parece que seus poemas deslocam-se entre corpo e espaço, entre montador e montaria. Se temos no século XX, a maior invenção da velocidade que foi o carro, distâncias diminuem, espaços se contraem. A montaria também serviria ao poema? Para dizer de sua velocidade, sua cavalgadura?

ANDRI. Como costumo fazer uso de uma linguagem mais coloquial, sem preciosismos linguísticos ou palavras rebuscadas, meus poemas às vezes tem um tom de conversa com o leitor, são híbridos entre a poesia e a crônica. Talvez por isso adquirem essa velocidade. Mesmo os poemas “de fôlego”, mais longos, se lêem num só fluxo sem maiores dificuldades.

FERNANDO. Você lida com certos personagens nos poemas. Como eles internalizam num universo lírico?

 ANDRI. Eu escrevo muitas vezes com base na observação. Há poemas mais introspectivos e também aqueles mais descritivos. Talvez por conta da descoberta dos cronistas mineiros que primeiro me influenciaram durante a adolescência, carreguei esse traço na poesia. As personagens que povoam Dança do fogo dança da chuva, são todas reflexos da realidade vivida. A esposa, as crianças, a avó, a mãe, os bichos domésticos e selvagens, todos eles são matéria da minha poesia.

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