Fernando Andrade entrevista o escritor Denis Rafael Ramos

denis rafael ramos editora reformatório - Fernando Andrade entrevista o escritor Denis Rafael Ramos

 

 

 

 

FERNANDO ANDRADE – Tua novela parece se expressar mais pelos silêncios das ações que parecem ficarem presas no tempo. A descrição se há , parece ter um subtexto forte, pois os personagens transitam mais por um espaço familiar cheios de nuances e escondidos sobre até a paternidade. Fale um pouco disso.

DENIS RAFAEL RAMOS –  Fernando, a sua impressão sobre os silêncios decorre, acredito, do fato de a maior parte do texto representar as recordações de Nazaré (o protagonista). Então, o silêncio das ações parece consistir na revisitação de ações já passadas e que vão ressurgindo, ao longo do texto, através das recordações dessa personagem. De minha parte, creio que esse efeito (a apreensão de um texto sob certo aspecto abstrato e cheio de nuances e subtextos) explica-se pelo afastamento, tanto quanto possível, dos elementos da realidade atual, que eu, como autor, busquei alcançar optando por uma linguagem poética e relatando em terceira pessoa, criando ambientes e situações incomuns, explorando subtemas e evitando descrições detalhadas – entregando ao leitor, em suma, a possibilidade de empreender uma leitura mais subjetiva, isto é, de acordo com e seu conhecimento da realidade e as suas experiências pessoais.
De certo modo, é o efeito que produz Lavoura Arcaica (mencionado por você na quarta pergunta), especialmente pela abstração inerente ao estilo bem sucedido de Raduan Nassar. A propósito, foi de Lavoura Arcaica que emprestei a ambientação intimista no quarto e a sua caracterização como “inviolável”, mas com esta diferença: no clássico de Raduan exercita-se no quarto o pleno conhecimento da culpa (“róseo, azul e violáceo, o quarto é inviolável”); no meu livro as crianças exercitam a plena inocência e mantêm-se distantes da culpa (“quarto amarelo”). Nessa perspectiva, talvez meu texto seja uma brevíssima releitura de Lavoura Arcaica, que é um dos livros mais belos que li em minha vida.

 

FERNANDO ANDRADE – O espaço que parece de uma zona do interior, zona rural, é carregado por certa divisão de gêneros, o que os homens podem , circular, agir, enquanto a mulher tem uma certo espaço de espera, de aguardo dos acontecimentos. Como foi tecer estas relações de gêneros no seu livro?

DENIS RAFAEL RAMOS – Realmente, em uma primeira leitura ficamos com a impressão de que as ações pertencem às personagens masculinas, restando às femininas uma posição talvez secundária – o que ainda é natural em locais rústicos, como na propriedade rural onde o livro está ambientado. Porém, aos poucos o texto vai revelando que esse aparente protagonismo dos homens escondem algo maior: em situações adversas ou hostis os homens assumem uma fragilidade terrível e as mulheres, por sua vez, sustentam todo o peso das circunstâncias com tal força e dignidade, que reforça a sua relevância (ou o seu protagonismo) em todos os aspectos e em todos os momentos da vida. Essa revelação ocorreu também a mim, enquanto autor, após a escrita, durante uma de minhas releituras.

 

FERNANDO ANDRADE – Um romance poético tende a deixar a linguagem fantasmática, uma distensão tanto da dimensão dos personagens, eles são quase pinturas onde a tinta se esparrama, quanto da ação que dilata por uma horizontalidade em campo e profundidade. Senti um pouco esta dilatação na sua escrita. Fale disso.

DENIS RAFAEL RAMOS –  Creio, Fernando, ter antecipado acima a resposta a essa pergunta. A opção por uma linguagem poética foi um dos meios de que me vali para alcançar um grau quase absoluto de afastamento dos elementos da realidade atual, para que o texto pudesse representar as recordações do protagonista. A minha intenção, como autor, foi descrever as personagens apenas minimamente, entregando ao leitor a possibilidade de empreender uma leitura mais subjetiva, isto é, de acordo com e seu conhecimento da realidade e as suas experiências pessoais.

 

 
FERNANDO ANDRADE – Como lidar-falar com certa autoridade paterna sem cair no esquematismo de um texto-psicanálise, onde os modelos, podem ou devem ser quebrados, embora temos na tradição mineira familiar esta figura forte, paterna, vide Lavoura Arcaica. Precisamos romper com este paradigmas? As mulheres mineiras estão apagadas na ficção, por exemplo.

DENIS RAFAEL RAMOS – Bem, sou filho de mãe mineira e conheço um pouco dessa realidade que você menciona. Em meu livro, especificamente, a força dos homens é apenas aparente, como expliquei acima; são as mulheres as detentoras do protagonismo, que se revela ainda mais insuperáveis nas situações adversas. Creio, particularmente, que também em nossa realidade quem detém o protagonismo, de fato, é a mulher. O protagonismo masculino é apenas aparente. Eis a beleza de tudo.  

 

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