4 poemas de Henrique Duarte Neto

HENRIQUE PROSA - 4 poemas de Henrique Duarte Neto

Henrique Duarte Neto é catarinense, 47 anos, funcionário público, professor, crítico literário e poeta. Nos últimos dois anos publicou, de sua autoria, três livros de poesia: Musas seguidas de poemas filosóficos (Florianópolis: Insular, 2019), Provocações 26 (Curitiba: Kotter, 2019) e 34 pequenos exercícios poéticos (São Paulo: Primata, 2020). Trata-se, na sua visão, de uma trilogia em que o tema da saudade é recorrente, tendo como mote a evocação do universo pessoal e, também, o gosto pela abordagem em torno das contribuições mais relevantes que a arte do passado legou para a do presente. Os poemas presentes nesta seleta são dos três livros acima mencionados.
E-mail: henriqueduarteneto@yahoo.com.br

 

 

 

Palavra

A sensação precede a palavra.
A palavra que custo verbalizar.
A palavra-criação, hiato entre Deus e o mundo.
A palavra que é sombra e me acompanha.
A palavra que assombra e é esfinge.
Entre o que penso e a palavra, uma angústia.
Manancial, rio, inspiração às avessas.
Palavra: luta e desejo perpétuos.

(De Musas seguidas de poemas filosóficos)

 

 

Aurea Mediocritas

Quero a vida simples, sem descomedimentos, em que a hipérbole possa ser refreada ao máximo e que o poema seja sereno. Assim, seguirei os passos de Horácio, dos árcades e de mestre Caeiro. Quero mais sorver a realidade do que pensar nela, porque pensar como diz o poeta é estar doente dos olhos. Portanto, prezo por uma linguagem clara, pois o belo parece estar na expressão do simples, não na do complexo e rebuscado artifício, que são armadilhas que afastam o poeta do justo caminho. Quero, enfim, da minha vida campestre extrair a seguinte lição: a existência sem sobressaltos é mais feliz do que aquela recheada de emoções e sentimentalismos irrefreáveis.

(De Provocações 26)

 

 

Caosópolis

Entre avenidas, arranha-céus, o centro urbano, uma multidão gravita em torno do pouco ou do quase nada, quando o que a cidade promete dia e noite, com suas luzes e neons, é a fartura, o consumo de tudo, de automóveis a cosméticos, de viagens a imóveis, de sexo a religião. A metrópole é madrasta, cruel. O Estado em vias de proteger apenas os possuidores de bens, para que possuam ainda mais bens, revela crasso descaso para com os despossuídos. Verdade elementar, óbvia, mas que deve ser dita. Verdade da Caosópolis, imagem das grandes cidades de nosso injusto país.

(De 34 pequenos exercícios poéticos)

 

 

Poética

I. A ambiguidade no campo da poesia é muito menos um problema do que uma solução.

II. Não há um caminho único para se fruir e analisar poesia.

III. O Carpe Diem árcade foi em tempos mais recentes tão vulgarizado (com uma entrega absurda a todo tipo de prazer e ao sensorialismo mais imediato), que os escritores neoclássicos morreriam de novo ao perceber que de um simples aceno se fez a
mais feroz algazarra.

IV. O agônico romântico é das coisas mais estupendas propiciadas pela arte, simbiose entre o sentido e o materializado esteticamente.

(De Provocações 26)

 

 

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