O NEOLOGISMO E A IMAGÉTICA EM DELALVES COSTA | por Eduardo Jablonski

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O neologismo é uma das formas de iluminação do poeta. “Midiaserável”, a nova antologia de Delalves Costa, desde o título, propõe a criação de uma linguagem, de mãos dadas com o fascínio da imagética. São poemas complexos carregados de figuras retóricas e expressões criativas, como se o autor de Osório pedisse passagem a outro grande da Literatura Brasileira: João Guimarães Rosa.

Nesse mundo de criação e inventividade por meio da palavra, o eu lírico não se propõe a defender uma ideia claramente; o faz, é certo, mas por meio do subentendido. A condição do homem na sociedade contemporânea parece ser o mote principal. Mas o leitor vai descobrindo às apalpadelas, como deve ser na poesia transcendente.

Essas invenções de vocábulos misturadas com a imagética numa tentativa, não de ordenação do caos, mas de pôr atenção para onde vai o sentido da poesia, dá um toque de amadurecimento no trato com a palavra.
Delalves Costa há anos se encontra entre o que de melhor a literatura sulista vem produzindo, mas parece que, a cada nova aparição, o autor de “Extemporâneo” atinge um novo patamar. São etapas que um crítico literárionão imaginaria que existissem. É Delalves Costa que as descobre e as alcança.

Nos detalhes, percebem-se posicionamentos específicos: “Lar-cicatriz onde falar é morrer.” (COSTA, 2020, p. 16) O autor vive numa cidade que tem mais ou menos a característica de tantas outras no RS. Os cidadãos não podem emitir livremente as suas opiniões, uma vez que isso gerará um oceano de ataques por todos os lados, a maioria porque não entendeu o que o autor propõe, alguns pela simples necessidade de falar mal, outros porque não conseguem perceber as ideias com clareza. Por tudo isso, falar é morrer, e é o lar que oferece tais cicatrizes. Delalves Costa se comunica por símbolos e diz o que poucos teriam condições de compreender. Não somos uma sociedade culta habitada por leitores e intelectuais. Somos um povo de invejosos e invejosas, que afiam suas línguas para o ataque. Assim o poeta se esconde por trás da metáfora.

A meta de Delalves Costa é surpreender, trata-se de um poeta de invenção, usa todos os recursos de que dispõe e cria outros, como intercalar fragmentos em inglês ou ainda usar parênteses para ampliar o significado.
Houve em Porto Alegre, até a metade dos anos de 1990, outro poeta que também utilizava muito os parênteses: Gastão Torres, que publicou apenas três livros e estranhamente não estudava Literatura, mas Biologia.

“Eis o extemporâneo, osso, nervo e existência.” (COSTA, 2020, p. 18) Delalves Costa não é um megalomaníaco para exigir o reconhecimento como melhor poeta do mundo, ao contrário do que fazem dois autores brasileiros, um que vive em Porto Alegre, mas é de Uruguaiana, e outro que nasceu na Bahia, mas está radicado nos Estados Unidos. Porém sugere que talvez não seja um poeta desse tempo, mas de outro que ainda está por vir: “extemporâneo”.

“Midiaserável” traz em si possibilidades semânticas. Talvez se refira ao poeta que busca espaço na imprensa desesperadamente, por isso a aglutinação entre “mídia” e “miserável”, mas também pode significar o papel da mídia na formação do inconsciente coletivo, a criação de necessidades nefastas de consumo, a formação de papéis sociais a cumprir. O cidadão que segue os ditames da mídia se torna um miserável, um viciado no consumo, na imagem a mostrar por meio de roupas de marca, de veículos zero-quilômetro, de celulares cada vez mais sofisticados.

“Automatizam o viver [,] a vida-relógio.” (COSTA, 2020, p. 19) Aqui lamenta o fato de as pessoas se importarem com o afazeres do cotidiano de tarefas e compromissos. O cidadão tem a vida regrada pelo relógio e estraçalhada pelo cronômetro. Carlos Nejar versejou acerca do tempo na contemporaneidade. Talvez o eu lírico de Delalves Costa reflita sobre como percorrer a senda da literatura se tem atividades e horários a cumprir.

Parece que todos os poetas, de alguma forma, se preocupam com questões sociais. Delalves, após descrever um café de gente rica, faz um contraste com uma refeição de gente pobre: “fome à farta, mesa tupiniquim”. (COSTA, 2020, p. 22)

“Para os tortos filhos (sobre trilhos) / falarem de ética no caos!” (COSTA, 2020, p. 23) Quem poderiam ser os tortos filhos? Talvez suas obras. Estariam nos trilhos quem sabe porque são pressionadas por todos os tipos de responsabilidades. E falar de ética no caos não é fácil. Segundo a Filosofia, ética é o ato de emitir juízo acerca do comportamento moral. Mas o senso comum a identifica como um grupo de normas. Provavelmente o poeta usa esta definição. Ezra Pound dizia que o poeta é a Antena da Raça, portanto irá reproduzir o que se pensa e como se utiliza a linguagem numa época. Então apontar comportamentos éticos em meio ao caos de moralidade em que vivemos é missão confusa. Quase todos os cidadãos agem no sentido de se beneficiar, sem dar importância aos princípios morais que deveríamos ter.

Enfim, Delalves Costa, se não é o melhor poeta da nova geração, se encontra no time de cima. Como escreveu José Eduardo Degrazia, prestem atenção nele, porque ainda se falará muito do poeta de Osório.

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