Fernando Andrade entrevista o escritor Rafael Zoehler

RAFAEL ZOHLER LITERATURA E FECHADURA - Fernando Andrade entrevista  o escritor Rafael Zoehler

 

 

F.A.:  O sentido parece aos olhos de um autor, o foco, algo plenamente fixo, mas a ficção se dá por traçados ou até por fronteiras que transpassam, gêneros.
Seu livro parece com muito humor discutir o sentido literal de um frase, de uma gramática para outro móvel que parece mais geográfico, espacial. Fale disso.

Acho que tudo que eu escrevo começa com uma frase que chama a minha atenção.
Essa frase normalmente contém uma ideia, uma piada, uma estranheza. Alguma coisinha que pula da página. Desse ponto em diante eu sigo o resto da história. No último conto do livro, por exemplo, está escrito “A fronteira da Sérvia com o Cazaquistão…”. Esses dois países não fazem fronteira, nunca fizeram, e eu adorei isso. Depois de encontrar essa frase, qualquer coisa pode acontecer no conto. Se eu posso fazer um cachorro jogar damas, por que eu não faria isso?

 

F.A:  Há uma relação muito bem estudada e trabalhada por você, entre humanos e animais que parece de um perigosa convivência no sentido mais figurativo do que no literal. Não é algo como uma pessoa com medo de um bicho, com se esta afronta entre estes dois seres partissem de zonas que revelem não o contato, mas sim identificações e aproximações que mostrem humanidades, estranhezas. Fale disso.

A epígrafe do livro, que eu tirei de um dos meus vídeos favoritos do Youtube (Dance monkeys, dance, pode procurar que vale a pena) diz o que eu penso sobre isso.
Nós, humanos, por mais que tentemos nos distanciar, somos animais. Somos animalescos. Contrariamos a lógica todo dia e ainda assim nos consideramos animais racionais. Tentei reunir histórias que colocam esse lado mais primitivo das pessoas para fora. O medo, a raiva, o abandono, a necessidade de fugir. Somos bichos. Ponto.

 

F.A.:  Você dinamiza muito bem as semânticas do texto colocando surpresas em certos lugares do contos. Como foi o desenho de cada conto em esmiuçar a linguagem a ponto dela ter uma infinita capacidade de polissemias de sentidos?

Depois que eu começo a escrever um conto, eu simplesmente obedeço ao que ele me manda fazer. Às vezes eu começo com uma ideia e a própria história me corrige no meio do processo. Ela me diz “vai ficar mais legal desse jeito”, e ela acaba acertando. Essas surpresas do texto muitas vezes são surpresas para mim mesmo.
E é sempre muito bom quando eu encontro uma delas. Elas me divertem.

 

F.A.: Até que ponto o corpo pode ser espaço de não literalidade um uma ficção?

Não costumo pensar muito no significado daquilo que estou escrevendo. Eu tenho uma história na cabeça, eu sei que ela quer dizer alguma coisa e sigo em frente. Me expresso através da história e, normalmente, depois, alguém consegue sintetizar o que eu queria dizer. O leitor é uma parte importante do processo. Então, como fã do realismo fantástico, não coloco muitos limites para as coisas. Corpo, ciência e filosofia são combustíveis que eu jogo na fogueira.

 

F.A.:  Senti uma certa aproximação da sua escrita com os autores americanos contemporâneos.  O que você já leu deles e que autores citaria com fonte de referências?

Durante um tempo eu fiquei fissurado pelo gênero gótico sulista, alguns dos contos com certeza trazem essa referência. A raiva do cão acredito que tenha um pouco dessa pegada de uma cidade do interior com pessoas estranhas onde coisas acontecem. A oficina do
Ronaldo Bressane (recomendo) me ajudou a criar uma base teórica de autores, mas estou sempre atrás de mais. Tem muita gente boa pra ler por aí. Posso dizer que o livro que me fez gostar de literatura, que fez eu me importar com a forma do texto além do enredo, foi o Barba ensopada de sangue, do Daniel Galera. O livro que mexeu comigo definitivamente foi Cem anos de solidão, do García Márquez.

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