Ousa – dia de nascer
Se se sabia que era impossível? Ora,
existir é para quem ousa
e planta penso no útero,
resistência para a letal inconstância,
às g(estações do tempo)
que alimenta pensantes
e mata homemporâneos.
Refletida em alto-relevo,
seca, é cor terra a mente
eis um dia viva semente
no torto voo do pássaro
dos monstros, liberte-me
e faça in(tenso amor comigo). Ora
gauche, ora genética. Eis
que o verso nasce, e finjo
disfarço invento e insurjo
para os tortos filhos (sobre trilhos)
falarem de ética no caos!
Cobertor-jornal
E de quebranto, o céu da minha boca
conheceu a Noite. A criança
levada de rua, pelos cabelos
arrastada posta aos olhos do caos.
Sempre que nos sepultam
neste mundo vaidoso, condolente,
um súbito mau-olhado desalinha-
se os gritos a infância toda
pede socorro a quem cerra os dentes.
Quer-se fôlego? Suplica-se!
Lua, estrelas de férias no bocejo
não iluminam o cobertor-jornal
sobre o feto já sem útero.
Nessas horas ninguém vê nada:
até vento atravessa a rua
para não acordar a pátria
entre as notícias que já não sonham.
Midiaserável
I
Embora cidadezinhas-províncias
onde ainda galos é tic-tac e fogão
(de barro) a lenha
aquece rio riachos
antropófagas, automatizam o vi-
ver a vida-relógio;
se nem todos libertam as razões
como logo existir
e aspirar o pasmo
à margem da íris o nascer do sol
às vezes não nasce
acentua-se poente
II
pôr de caos: sono
precipício, acordar poroso. Súbito
a costurar a carne
corpo às 5h: a erguer-se o sistema
a pesar, não os pormenores do sol
e da indigestão, do
ar impróprio e das
artérias com suas vísceras: aclives
declives e enclaves;
sofre o tal homematéria, pernoites
no inabitável sofre-
dor útero invertido
III
pôr de caos: eletro-
encefalograma para os inconclusos
do agora (o ontem)
corpo às 6h: a língua a fala esvaída
a pesar, não os reversos do manhã
e dos jejuns (do só)
por multidões e do
fluxo com suas urgências: lapsos
relapsos, colapsos;
sobre o tal homemporâneo, noites
(noitadas e acasos)
e horas proteladas
IV
às 7h30min: por extenso ou digital
apesar, o miserável sem sentir-se
à vista se prende
a prazo o infarto
a contínua morte semanal: a suar
o suor o sangue;
sobretudo, homem-mídia quando
em bolso furado
põe o sal do mês
à mesa da família que acorda pôr
do sol natimorto,
corpo estatística.
O homemúltiplo
Teso sob a luz
o
homem
ofega
mais
espaço…
mapeia-s(e)m
olhares
liberta-s(e)m
hemisférios,
aventura-s(e)m
sonhos
espelha-s(e)m
círculos,
aprisiona-s(e)m
bilboquês
introspectivos…
serpenteia-se
bai
xo
à sombra de si.
As mortes da flor
I
Não polida, roseira sem jardim…
E assim, aflorava-se cortante
enquanto voraz se permitia
lâmina a gemer. Não obstante,
nas mãos aos poucos morria
enquanto sentia-se flagrante.
Dos seios mol(dura-imagem)
e do efêmero gozo-instante
que lhe arrancavam a poesia,
crônica a cada hospedagem
e cama sempre vazia. Cortante,
todos ilesos enquanto se feria.
II
Assim, desidr(ata-se a flor)
no cheiro doutro jardim.
Embora nos curvemos
para pro(curar os anos)
e a poesia nunca escrita,
corpos se abrem ferida
após prazer pela metade.
Faz-se cicatriz em pétalas
o desabrochar, indiferente
o suor que derr(amo por ti).
III
Se não o possuo, é carne em crise
o silêncio na cicatriz
de minhas veias doídas.
Ainda que sano, o sangue
que nos habita é fingidor. O instinto
e a carne de línguas
e os gritos efêmeros
são o que nos definem em ser
natureza sem época. Inconstantes,
sentimo-nos e(terno) corpo
que deixa a cama para ser céu.
IV
O que não me é lúcido (qual ciúme,
cujo medo soa perdê-la)
é esse curtido estrume
de rosas, no qual morre o instante.
Cintilar até pode, Noite
no seu letal perfume…
mas me é única estrela
a dor mais pulsante!…
E vívido volto a chorar
o que me possui – o eu-ignorante!
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