Cinco poemas de André Siqueira

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Me chamo André Siqueira e moro em Jacareí, interior de São Paulo. Já publiquei em várias revistas, jornais, blogues e antologias de poesia.
Atualmente sou colaborador da revista de arte e literatura Pixé. Lancei em 2020 meu primeiro livro de poesia “As manhãs fechadas” pela editora Gataria.

 

 

QUARENTENA

Os objetos conhecem 
os quartos, partes, cômodos,
extensões de remansos 
que abrigam toda a gente
íntima do silêncio
isolado na espera
de cada ser fechado.
Testemunhas ocultas
mesmo que emudecidas,
hospedeiros de gente
no vírus desse mundo.
Sem luva sinto, pálido:
os objetos na casa
prosseguem retesados 
e infectados de gente.

 

 

O CABIDE

O cabide quase
terno de precisas
curvas e despidas,
na ausência do terno
mostra o figurino
vazado, vazio
de nada. Percebo
na estranheza tão
guardada que posso,
atento, vestir
a roupa de magra
vista do cabide
discreto, guardado,
dispensado só.

 

 

CAMA, MESA E BANHO 

a fome não repousa
em cama pula e grita 
em casa já relustra
os buracos da boca 
de modorra morada 
mas que se atiça agora
sedento peixe trêmulo 
no ardor de nada ver
ômega apenas quieto 
mas estrala a madeira
da cama  mais e mais 
de fome cancro unguento 
limpa textura e lenta
secura a minha fome  

 

 

SALA-LUZ

Vejo a nave na tevê, 
estática, longa e séria,
enquanto a criança atenta 
do sofá criava a cena
bela como a vida pouca.

Estações e viagens longas
desses astronautas livres
entre planetas alados 
que nos deixam baixos, pés 
fincados, terráqueos roucos.

Brincar de astronauta lá 
longe. Na sala a luzerna 
da criança cresce esguia.
Será lançado o foguete 
e me sinto humano, pasmo.

Vejo a nave na tevê.
O regresso não decola.
Partir além do azulado.
A contagem é de vida
desejosa, sangue tépido.

Gritos e braços erguidos.
Nesse momento sair.
Tripular espaços cósmicos,
só querendo ser o lance 
brilhoso da sala-luz.

Ter a pueril alegria
de plástico ou faz de conta 
da criança, do foguete 
que subiu, na sala-luz, 
a lágrima tão contida 
na Terra enterrada e funda.

 

 

(Sem título)

Sei do canto navegante,
passageiro que me fura
quando acordo cheio, sóbrio
debaixo de sons minguados,
restos da noite passada
que berraram desdentados.

Sei do recanto que existe,
do limite fundador
sobre a casa sem a música
talvez tradutora tênue
dos passos dessa cidade
suja como catarata
que cega, afoga o sabido
precário de malas frouxas
para o chorume que encerra.

 

 

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