RESENHA | BABAÇU LÂMINA: A POÉTICA DA RESISTÊNCIA | por Paulo Rodrigues

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“Às parlengas poéticas estou acostumado, /eu ainda falo versos e não fatos.
Porém se eu falo “A”/ este “a” é uma trombeta-alarma para a Humanidade.
Se eu falo “B” é uma nova bomba na batalha do homem”.

(Vladimir Maiakóvski)

 

 

 

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Paulo Rodrigues – poeta e crítico literário

 

Logo após a prisão do sargento Manoel Silva Rodrigues, da Força Aérea Brasileira (FAB), com trinta e nove quilos de cocaína num avião da comitiva presidencial. O poeta Carvalho Junior iniciou um movimento reflexivo sobre a materialidade histórica da poesia. Muitos autores de  várias partes da nação conectaram-se.

Uma produção foi captada para a antologia: Babaçu Lâmina. “Não estávamos alegres, mas porque razão haveríamos de ficar tristes”, nos ensinou o poeta da Revolução Russa. O Certo é que enfrentar a história com a coragem de um quilombola foi a grande lição da reunião.

São trinta e nove vozes de um punhal só. Num trabalho editorial da Patuá (2019). Apresenta gravuras originais do poeta e crítico literário Ricardo Nonato, que prefaciou a compilação. Já finalizando o texto, ele afirma: “a poesia, portanto, de modo agudo e na sua diversidade, apresenta-se como lâmina, mas sem ignorar a possibilidades deste fruto opaco que guarda tantos sentidos e segredos de vivência”.

Não há segredos morando no verbo. A vida coletiva está presente na enunciação poética de todos nós, por isso, vou analisar em pares (a obra inteira). Nesta primeira etapa escolhi Salgado Maranhão e Nathan Sousa.

Os dois estão muito acima do panfletário. Sabem cultuar a alta literatura. Conseguem erguer paredes novas, na arquitetura da palavra.

Fazem versos de resistência, mas não estão com a bandeira na mão, na Avenida Paulista. O compromisso primário é a qualidade, a revelação, novos campos semânticos como vamos percebendo ao longo da leitura de MOVIEMENTO (2019, p. 101):

agora é outra paisagem
escrita
          no plasma
e na névoa
            a fluir
entre os dedos
como ao vento
              as aves
ávidas.
agora é outro andaime
de pedras ao xadrez
do acaso:
a cidade e sua íris fumeé.

manhãs AR-15
tardes AK-47
delinquem entre ratos
e toletes totens.

a cidade em seu afã
a comer hot-dogamas
e balas de mortelã.

Salgado é um poeta premiado e traduzido para o mundo. Faz bem a internacionalização da sua obra. Alexis Levitin, tradutor americano, cuida de mobilizar as universidades americanas para o estudo acadêmico de Sol Sanguíneo e outros textos.

No poema acima, existe uma compreensão da realidade sociológica do Brasil. As muitas paisagens deste continente heterogêneo e desigual são colocadas no “xadrez do acaso”. O fumeé das lentes humanas, nos impedem de ver as cores mais escuras da realidade. O poeta vem retira a película. Acende a luz para a massa trabalhadora.

O ritmo é único, parece que marca a respiração urbana, ou, guarda a imagem das favelas com tiros seguidos, dentro de um silêncio budista. Salgado é construtor de uma sintaxe efervescente. Acaba a enunciação. Ficamos ainda sentindo o prazer da ferida.

Ele arma totens para indicar novas veredas, nos velhos caminhos. Sua missão é nos retirar de uma geografia cega? Acho que sim!

Por outro lado, Nathan Sousa é um poeta premiadíssimo, com uma produção híbrida de muita qualidade. Desponta como o mais respeitado autor da literatura contemporânea do Piauí. Alcançando um reconhecimento nacional importante, que o faz avançar rapidamente para a consagração literária.

CAUDILHO (2019. p. 81) faz um passeio na alma do poeta, ao mesmo tempo, retira a roupa da segregação social entre nós:

Moro em um país que não
me cumprimenta, onde o meu
melhor está enterrado.

Peço bênçãos aos trovões entre
uma morte e outra, forjando
meu metal sem brilho.

Estou no cerne da tela:
Abstrato e seco feito um líder

Ingrato.

“A literatura é o meu baú de espelhos; meu instrumento mais afinado.” Disse o Nathan, em entrevista. É verdade, ele sabe usar esta arma para atingir o mundo no peito. Consegue o nocaute, em todos os rounds. Entende a identidade fragmentada da pós-modernidade. Sai espalhando pedaços da existência, nos versos.

Continua revelando as carências do tempo, na sua cronologia pessoal. Sabe a força da transcendência como podemos observar nas três últimas estrofes:

O que me escapa está impregnado
de fuga e fome; lavado de língua
e regresso.

O que me transborda
me depura.

Me aceita feito cura;
me afoga feito excesso.

O poeta é a cura e o mar de si mesmo. Parece único. Mas é tão imenso e minúsculo como qualquer proletário, arremessado no espaço mágico dos dias.

Parece que aprendeu a lição de Graciliano Ramos. Retira as sobras, os penduricalhos, qualquer enfeite. Fica só o gume necessário ao risco. Um poeta consciente do seu papel. Floresce “levado de língua e regresso”.

Os dois mostram a grandiosidade da poesia. Entregam-se ao trabalho de revelar espantos. Nos ensinam a difícil poética da resistência.

 

Paulo Rodrigues (Caxias, 1978), é graduado em Letras e Filosofia, especialista em Língua Portuguesa, professor de literatura, poeta, jornalista.

É autor de vários livros, dentre eles, O Abrigo de Orfeu (Editora Penalux, 2017); Escombros de Ninguém (Editora Penalux, 2018).

Ganhou o prêmio Álvares de Azevedo da UBE/RJ em 2019, com o livro Uma Interpretação para São Gregório. É membro da Academia Poética Brasileira.

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This Article Has 2 Comments
  1. Rogério Rocha Reply

    Paulo Rodrigues sempre com textos muito certeiros. Parabéns! E parabéns à Literatura e Fechadura.

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