Três poemas de Theotonio Fonseca

TEOTONIO POETA - Três poemas de Theotonio Fonseca

THEOTONIO FONSECA nasceu no município de Itapecuru-Mirim, em 11 de abril de 1985. Filho de Maria Nascimento Espírito Santo Fonseca Marinho e Carlito Rodrigues de Sousa. Graduado em Letras pela Faculdade Atenas Maranhense (FAMA) e Especialista em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira pelo Instituto de Ensino Superior Franciscano (IESF). Professor de Língua Portuguesa da Rede Municipal de Ensino de Itapecuru-Mirim e da Rede Estadual de Ensino do Maranhão. Autor das obras poéticas: Poemas Itapecuruenses e Outros Poemas (Ética Editora, 2014) e O Batucajé das iaras (Ética Editora, 2016). Acadêmico de Direito (10º período) do Instituto Florence de Ensino Superior, São Luís/MA e membro do Núcleo de Estudos em Ciências Criminais (NECCRIM) da mesma instituição.

 

 

O MAR QUE NOS MAGOOU

I
Não importa Giorgos Seferis
que a Hélade fechada em montanhas
aponte para narrativas ancestrais
de um Olimpo que desabara
nas aldeias dizimadas
no sofrimento de teu povo?

Não importa que as montanhas
apontem para as estrelas da noite
e levem tua lira novamente a Ulisses?

As aldeias foram dizimadas
Esmirna esboroou-se na memória.
Como aplacar a nostalgia pungente
que vibra os címbalos de tua alma grega
na lamentação às margens do Egeu?

– O mar que nos magoou
levara heróis e rapsodos
gravara rugas na face de Penélope
tangera réquiens no pórtico dos templos
e não devolvera à Hélade os filhos
que de Siracusa a Náucratis fundaram
colônias nas quais se difundiu-se com esmero
os diálogos de Platão e as epopeias de Homero.
– o mar que nos magoou
levara a glória de uma civilização
que fecundara parnasos em outras plagas
inspirara odisseias em cada esquina
e devolvera às ilhas egeias os ossos dos heróis
as lágrimas das esposas que ficaram nos portos
e uma cabeça de mármore a assombrar
novos poetas com a força da glória de antanho.

 

II

Giorgos Seferis ao pé da lareira
vendo as chamas consumirem
gravetos secos de um loureiro
adentra a barcarola da nostalgia
e visita Lesbos onde o louro do canto
não ardia nas chamas de efêmeras lareiras
mas na beleza lírica dos cantos de Safo…

Hoje na cabana da saudade ancestral
apenas o olhar dos marinheiros de Esmirna
guarda o elo com argonautas que conquistaram
o mundo com homérico escudo e filosófica espada.

 

 

ALETEIA

A Verdade, desnuda na alcova da história
entre teses e antíteses fora deflorada
pela fúria erótica de incontáveis aporias
e as alfombras do leito tingiram-se
de rúbidas cicatrizes do himeneu filosófico
e o útero fecundado de paradoxos
gestou sistemas e silogismos, argumentos
e teorias que traziam nas entrelinhas
de suas verdades a negação de si mesmos
perpetuando nos pergaminhos cósmicos
a impossibilidade de contemplar face a face
o que só é permitido contemplar em parte.

– Como costurar a Verdade à epiderme do discurso?
questionara o viajor ao sofista da encruzilhada

– Com os inconsúteis fios da memória
que as potencialidades humanas tecelãs de espantos
e epistemologias podem urdir ao manto de Aleteia
ainda que estejam cerzidos às carminadas
extremidades da veste talar os cânticos da falsidade.

– A Memória que fecunda a lira dos rapsodos
com as narrativas ancestrais do gênesis?
Como pode um daemon que germina ditirambos
conjurar a Verdade que habita o ser e o tempo?

– Pobre viajor, escravo de silogismos
não sabes que é com a agulha lógica do logos
e a linha metafórica do mito que a tessitura
da pele de Aletéia é costurada aos ossos da eternidade?
e só aos aedos foram confiados os arcanos
da confluência entre logos e mito de cujos afluentes
nasce o rio da Verdade na manjedoura da Memória?

– Como compreender a verdade como um rio
Sábio sofista da encruzilhada se o fluxo das águas
se renova e a fluvial paisagem passa como a poeira
estelar que do universo habita o vácuo das estradas?

– Não se pode separar o que na oficina de Prometeu se uniu
Verdade e Falsidade foram esculpidas com a mesma talha
cozidas no forno com o mesmo fogo, osculadas por éolo
nas mesmas sendas mediterrâneas e as aporias
são das irmãs filhas pois a verdade derradeira
não se pode desvelar, mas um patriarca hebreu
barbudo tresloucado disse outro dia na ágora
que nascerá a estrela da manhã primeira
o portador dos lucernários divinos que virá
ao mundo sob a forma de um menino
e trará consigo a Verdade, infeliz homem
foi enxotado da praça entre xingamentos
e cusparadas pois não existe fundamento
em um homem que seja a urna do conhecimento
e que traga consigo dos arcanos a explicação
e leia a mente de Zeus como um quiromante
que no pórtico do templo de Atenas à consulente
decifra os segredos que habitam a palma da mão.

 

 

O GRIOT ETÍOPE DOS UMBRAIS DE TROIA

O aedo dormia quando uma lágrima
de Hécate osculou as ásperas paisagens
dos sonhos que repousavam às margens
das sombras de cedros eternos
em sendas insones, mares revoltos
águas convulsas, musa maometana vestida de luz
ermitão ortodoxo desnudo em penumbra
cenáculo iluminado por labaredas de alabastros
cruz de hematita invertida, retábulo maronita.

Do escuro um grito solerte ecoou
boca esfacelada de socós alabastrinos
paralisia facial na carranca marmórea
de divindades micênicas soterradas.

E eis que nos umbrais de Troia
a rapsódia do griot etíope
guardião dos mistérios da Abissínia
narrou a Ulisses ao som
de sonâmbulo balafon.
Mil e uma teias de aracne
urdindo um manto de cantos
às contas do rosário mnemônico
do astucioso monarca de Ítaca.

E o griot a cantar e contar semeou
o embrião de encantos do cavalo de pau
em meio a corpos despedaçados
e o odor de sangue
em meio às putrefatas carnes
e o arder das chamas
nos arraiais troianos
o canto ia embalando
a lembrança de Telêmaco
nos arraiais troianos
o canto ia desvelando
as romãs dos seios de Penélope
a habitar o tálamo perfumado…

O aedo acordou com o sopro de Éolo
a afagar-lhe as arcadas da gélida orelha
e antes que o vento levasse consigo
a revelação onírica interrompida
o aedo gravou no pergaminho das areias
uma pétala de versos do griot
narrados a Odisseu ao pé de uma fogueira
no pórtico de Troia, sob o brilho do firmamento
e se a rosa púrpura de Beirute não é dada
aos homens do Cairo por inteiro desvelar
ao menos uma pétala se fez pele
nas areias que habitam os ossos do chão.

 

 

 

 

 

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