Fernando Andrade| crítico literário e jornalista
Alguém deveria cogitar o penso, logo existo. Pois a reflexão do estado do corpo não traz calmaria. Cogitar está além do reflexo do corpo. Como pensar uma imagem no espelho? como caetanear? como cartesianar? seus olhos veem cheio de sentidos na sua cine imagem projetiva. O corpo é barca na tempestade, portanto está longe do algoz algoritmo de refletir, vidas, uma existência que marca, embarca na pele, nos poros, nos sedimentos dos sentimentos.
É como tentar pensar a espera por alguém. Racionalizar o quanto se tem de desejo pelo olhar, abraço de um homem que se comunica virtual à mente com o personagem narrador. Sinto logo insisto. Nesta troca de mensagens como uma garrafa ao mar em busca de um itinerário poético, personagem Bento do romance Os blues que não dançamos de Franck Santos (editora Moinhos) desenha no outro uma cartografia do processo do enovelamento romântico que todo relato narrativo traz ao leitor.
Franck numa tessitura extremamente delicada e sofisticada costura toda a parte da espera entre Bento e Pedro, um homem da campa de sampa, a cidade canção do Caetano. Dialogar entre teclas requer a presença do indivisível e do invisível, aparato do codinome projeção. Ali Bento fará da canção que urge letra, uma experiência de prováveis encontros em diversas
cidades do interior do Brasil. Ele mora na ilha, São Luiz, lugar entre sol e chuva, habita nele, os sonos, os sons, as palavras tristes de um blues, vozes quentes e roucas, aveludadas como um bom Gim.
Pedro manda poemas, manda recados, e a vitrola parece combinar ritmos a serem dançados a dois. A escrita sempre rascante de uma ternura que parece revelar algum teatro íntimo, algum palco, onde pensar não é algo que se geracione ao solo da carne que late por anima(l) humano. O encontro que não se presenciou, a dúvida cruel da ausência da posse. A mais angustiante é de uma marcação com as teclas de uma interface de um computador – é não saber do vivido do outro, o que fez? o que aconteceu? entre, marcar e ir ao desejo do encontro real. Nesta espera se encontra toda delicadeza de Franck.
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