A força social de ‘A negra cor das palavras’ – por Marcelo Frota

 

ANEGRACORDASPALAVRAS - A força social de 'A negra cor das palavras' - por Marcelo Frota

 

 

A poesia e suas facetas inesperadas e surpreendentes são a motriz da minha paixão absoluta por esse gênero que transcende gerações. A atemporalidade da poesia, assim como seu recorte temporal de uma época, são as razões de sua permanência como arte e encantamento. Do amor ao genocídio, da liberdade ao totalitarismo, a poesia é o retrato em palavras dos sentimentos, da história, das aspirações de uma época. É retrato em branco e preto, em sépia, em cores vivas. A imagem das letras pretas em papel branco, ou pardo.

Em seu novo livro, A negra cor das palavras, (Editora Penalux, 2019), a autora carioca Alexandra Vieira de Almeida faz um retrato do negro como cor, símbolo, simbologia, interpretação e raça ao desconstruir o sentido da palavra negro. Tal desconstrução forma uma obra densa em simbolismos, em versos novos que soam como poesia antiga, como músicas cantadas por Chico Buarque ou Caetano Veloso. Ao ler A negra cor das palavras, inevitavelmente me peguei cantarolando Retrato em branco e preto ou Desde que o samba é samba.

Essa beleza, misturada com crítica social e histórica, tão elegantemente implícita nos versos de Alexandra Vieira de Almeida é, a meu ver, o ponto central de Sob a luz tênue da noite: “Sob a luz tênue da noite,/alinhavo a história dos meus amados/O vermelho pulsa como o grito da dor,/em que a lenha se queima aos estalos da cor”. A imagem que me veio à mente e mareou os olhos. Confesso emocionado, que essas palavras, me trouxeram a imagem da face de um homem negro açoitado, com o rosto, as costas, as pernas cobertas de sangue, sendo amparado por seus companheiros em dor e condição, após o castigo.

Posteriormente, as imagens da escravidão, da dor negra, da insensibilidade branca, da conveniência católica, da cultura da violência como forma de punição, do horror imposto aos homens por seus semelhantes, transportam o leitor, do poema “da senzala” para o poema “da periferia”, onde a polícia, branca ou parda, ou até mesmo negra, espanca primeiro, ou melhor, atira primeiro e pergunta depois. Os policiais, e muitos cidadãos de bem, herdaram, culturalmente, o posto do capitão do mato, dos senhores de escravos.

Em Asas do amanhã, temos um retrato do Brasil de hoje, do Novo Brasil. O retrato de um país dividido, fragmentado, tomado pelo radicalismo e pela polarização de ideias e ideais. Um pais onde a intolerância e o preconceito, que pareciam esquecidos e ultrapassados, estavam apenas mascarados, a espera de um messias alienado que os trouxesse à tona.

Em meio ao caos, a autora clama por seu direito a humanidade, seu direito a vida: “Quero o meu direito/ser um humano facho/em meio a inúmeras vozes/em que o grito se esquarteja em pedaços.”. Clamamos, Alexandra, pelo direito de sermos a luz intensa que guiará nosso povo por entre as trevas em que vivemos. E não é vergonhoso dizer: Oremos!

Entretanto, A negra cor das palavras não se resume a críticas a sociedade e a nossos tempos sombrios. A obra é uma celebração a palavra e a representação do negro através dos tempos, como destaca Nuno Rau em seu excelente posfácio.

É um livro de descobertas, de renovação, de reinterpretação e acima de tudo, reflexão. Refletir, seria minha palavra-chave sobre A negra cor das palavras. Alexandra Vieira de Almeida nos convida, com sua poesia sublime e intensa, a usarmos nossas células cinzentas a redimensionar o negro. Oxalá poeta.

 

 

75429356 2405655009557276 5994964284319203328 n 300x300 - A força social de 'A negra cor das palavras' - por Marcelo Frota

Marcelo Frota é professor, escritor e poeta. Apaixonado por música, literatura e cinema. É coautor de Compilação Poética das Margens e autor de O Sul de Lugar Nenhum, lançado em 2019 pela Editora Penalux. 

Please follow and like us:
Be the first to comment

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Social media & sharing icons powered by UltimatelySocial