ENTREVISTA | Fernando Andrade entrevista o escritor Felipe Nascimento

FELIPE NASCIMENTO - ENTREVISTA | Fernando Andrade entrevista o escritor Felipe Nascimento

 

O teu livro me dá a impressão que nossos corpos: suas pulsões e afetos, são o que perfazem o mundo, do jeito que ele esta se solidificando… Bauman fala das relações líquidas, tudo negociável. Mas há um efeito que deveria ser das relações de alta e baixa pressão, nosso pensamento faz a leitura, micropolítica cotidiana. Quem brinca com fogo… e tua linguagem dinamiza muito bem esta caótica f(r)ase social e política, com o fascismo e conservadorismo pelo mundo afora. Fale um pouco disso.

FELIPE – Os últimos anos foram anos de retomada de ideias antigas, algumas boas, outras péssimas. Deixe-me dar alguns exemplos: Na música vemos uma tentativa de recriar vanguardas dos anos sessenta, só que atualizadas, como vemos nas bandas O Terno, Boogarins e Tame Impala e outras com péssimas ideias como o integralismo, conservadorismo religioso.  Apesar de termos atingido certo progresso depois dos anos 2000, vimos que na realidade, era ilusório e começamos perceber uma coisa: Não há progresso social. Humanos são dotados de nostalgia, e infelizmente temos a tendência a pegar o velho e colocar numa roupa moderninha e adaptada a nosso gosto(ou ódio?). Nunca deixamos de ser conservadores, mas a perda da voz do brasileiro conservador, fez que ele quisesse retomar a força e pela estética da tosqueira (quanto mais mal educado, ignorante e ofensivo melhor) o poder e conseguiu. Cabe a nós progressistas (mesmo que esse progresso não exista, a gente faz de conta que existe pra poder continuar vivendo), criar movimentos ao contrário, de conscientização.

Acho que minha linguagem serve como uma arma de festim, uma denúncia de uma revolta, contra toda essa caretice que tem tentado se impor porque se sabe, que o Brasil não é assim, Brasil é muito mais que rezar, pagar os dízimos, bater em LGBTQIA+, e sofrer de neuroses decorrentes de uma duplicidade paranoia moral. O Brasil é um país lindo, que esperamos que ainda seja cheio de árvores, e está cheio de gente diversa e que pensa diferente.

 

Com foi hibridizar tantas informações do mundo global, falta de alteridade com o outro, disparidades sociais, urbano \ animal, dentro de um construção poético onde a palavra deve(ria) ser a mais maleável possível criando efeitos bem polissêmicos?

FELIPE – O mundo realmente se coloca de forma superficialmente concreta a nós, mas isso não se mantém na primeira investigação. Descobre-se que é muito mais que binarismo e que bandeiras são bandeiras.  Descobre-se que as pessoas tem desejos contraditórios, ações contraditórias e que o mundo é escrito dessa forma contraditória, então acho que a palavra continua funcionando de forma polissêmica. Mas como as pessoas tem que todo dia, ir trabalhar, horário pra almoçar, colocar os filhos na escola, isso tudo torna linguagem novamente banal e cotidiana, mas acredito que isso é só de forma superficial. Quando comecei a perceber mais a fundo o mundo, as notícias que via na televisão, os poemas que lia, as pessoas que observava, esses significados foram vindos naturalmente a mim.

 

Você faz uma bela experiência do espaço exegético onde a palavra poética funciona como uma adaga|indaga da experiência social e política nossa, de um mundo onde o capital é acumulador e desintegrador. Como foi lidar com este espaço?

FELIPE – A poesia quase sempre me vem nas horas de revolta ou de introspecção. Sempre é muito difícil chegar à simbolização perfeita do que quero, porém o poema quase sempre vem de uma vez pra mim, tornando fácil até lidar. Mas geralmente as imagens, as alegorias vem quase que aleatoriamente e partir delas vou criando algo que tenha a ver com que quero dizer.

 

Há uma questão de espaço-território, no mundo já não há mais fronteiras, e como a estética de um livro de poemas que é fechado e cabendo aqui a questão do binarismo, certo errado, bem e mal, fé cristã e estado laico, como o livro de poemas pode torna-se uma potência para avaliar este estado?

FELIPE – Como eu vivo sempre dizendo, a poesia é uma arma de festim. A atenção está desfocada, pensando em várias coisas do dia a dia, mas de repente, um barulho e só se pensa em uma coisa. Olhando essa coisa de perto, percebe-se que não há binarismo, só há inúmeras ideias diferentes das outras, algumas indefensáveis, outras ilógicas, outras o inverso. E é para isso (acredito eu) que serve a poesia. Chamar a atenção para uma experiencia particular, que se torna universal por todos serem dotados de subjetividade.

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